12/07/2020 • , • por Andre Massaro

Consumo conspícuo e liberdade


“Consumo conspícuo” é uma das formas que economistas e outros estudiosos usam para se referir à boa e velha “ostentação”, quando levada às últimas consequências.

A palavra “conspícuo” significa, conforme o dicionário, “algo que chama a atenção”. Então, já podemos inferir que “consumo conspícuo” é um tipo de consumo que não tem, como objetivo, satisfazer alguma necessidade concreta e objetiva; mas sim “chamar a atenção dos outros”.

Riqueza não é sinônimo de liberdade

Por que é importante entender o consumo conspícuo?

Agora é aquele momento em que terei que falar um pouco sobre mim. Se você observar, logo na página de entrada deste site, o meu slogan pessoal e profissional é “liberdade financeira é liberdade pessoal”. E um de meus livros se chama, simplesmente, “Liberdade Financeira”.

Bem, por aí, acho que já dá para perceber que a “liberdade” é o meu valor principal e, por conta disso, ela acaba pautando a maior parte dos conteúdos que são publicados aqui.

É importante saber o que é o consumo conspícuo, pois ele é uma armadilha na qual podemos cair. Ele é um exemplo de como a riqueza pode nos trazer o “oposto da liberdade”, que é a escravidão e a submissão a padrões sociais, opiniões alheias e valores que vêm “de fora de nós mesmos”.

Entender o consumo conspícuo nos permite identificar quando estamos usando nossa riqueza e nossos recursos não em nosso benefício, mas em benefício de um modelo social e de comportamento com o qual, muitas vezes, nós sequer nos identificamos.

Mas… Vamos em frente.

Os objetivos do consumo conspícuo

Nós já sabemos o que é o consumo conspícuo – é um consumo para “se mostrar”.
A motivação do consumo conspícuo não é, portanto, a utilidade (no sentido econômico) daquele bem ou serviço, mas sim o potencial que ele tem de chamar a atenção (positivamente, esperamos) das outras pessoas sobre nós.

Aliás, pelo contrário, quanto MENOS utilidade um bem tem, mais “conspícuo” ele é, pois, ao comprá-lo, estamos comunicando ao mundo que temos dinheiro sobrando e compramos qualquer porcaria, simplesmente, porque “a gente pode”.

Então, entre os objetivos mais comuns do consumo conspícuo estão:

Sinalização

No sentido econômico, “sinalizar” significa usar símbolos e sinais (daí o nome) para reduzir a assimetria de informação. Quando não conhecemos uma pessoa (ou seja, não temos informação sobre ela – o que gera a assimetria), acabamos recorrendo a sinais externos para fazer um julgamento, como as roupas que ela veste, o carro que ela dirige etc.

Afirmação de status e de posição

O status social tem um caráter relativo e competitivo, no sentido de que, para se ter um alto status, é preciso que outras pessoas tenham seus status rebaixados.

O consumo conspícuo, na linha do “meu iate é maior que o seu”, serve como ferramenta para fazer esse rebaixamento.

Provocar inveja

A inveja é uma emoção curiosa e pouco compreendida. A maioria das pessoas gosta (ainda que não admita) de causar inveja nas outras, mas elas mesmas acabam confundindo inveja (que é uma emoção negativa) com admiração (que é uma emoção positiva).

Admiração é o mais próximo que existe de uma “inveja boa” e é válido querer ser admirado. Mas muitas pessoas não sabem distinguir essas emoções e se contentam em gerar inveja (que, ao contrário da admiração, é negativa e gera ressentimento).

Alívio de distúrbios psicológicos

O consumo conspícuo pode acabar se revelando o canal ideal para o extravasamento de questões psicológicas como compulsões, narcisismo patológico e comportamentos antissociais com traços de psicopatia, como aquela ostentação agressiva e deliberada (que vemos em alguns indivíduos), que indicam que a pessoa tem “raiva do mundo” (às vezes raiva de sua própria origem humilde, quando é o caso) e sente prazer em “pisotear” pessoas de status socioeconômico inferior.

Neste último caso, a pessoa está deliberadamente querendo causar inveja (sem fazer qualquer confusão com admiração) e gerar ressentimento.

A história do conceito

O conceito de consumo conspícuo veio do economista e sociólogo americano Thorstein Veblen, no final do Século XIX, em seu livro A Teoria da Classe do Lazer.

No livro, ele faz uma análise histórica das questões de segregação e separação social. A partir disso, ele faz uma crítica da classe alta de seu tempo, que são as famílias ricas americanas do final do Século XIX, especialmente da região de Nova Iorque e da Nova Inglaterra, que construíram fortuna na chamada “Segunda Revolução Industrial”.

São aquelas famílias que, ocasionalmente, ouvimos os nomes em filmes atuais (como símbolos de riqueza e status daquela região – mas que, na época do livro, eram os “novos-ricos”), que construíam casas com dezenas de cômodos (que, provavelmente, seus moradores nunca sequer colocaram os pés) entre outras coisas.

É interessante notar que a moderna sociedade de consumo (que, supostamente, nasceu no começo do Século XX) já devia estar em “gestação” na época do livro. A tal “moderna sociedade de consumo” cristalizou o papel do consumo não como um meio de satisfação de necessidades, mas sim de formação de identidade pessoal.

Exemplos de consumo conspícuo

Imóveis

Os imóveis eram, talvez, o que mais chamou a atenção de Veblen na época de seus estudos.

Aquelas famosas mansões da Nova Inglaterra, que eram maiores que palácios reais europeus, onde morava uma família pequena e um batalhão de empregados para cuidar de cômodos que, provavelmente, nunca eram usados.

As casas eram feitas, simplesmente, para impressionar por seu porte e complexidade. E para mostrar que seus donos podiam pagar por sua manutenção, mesmo não precisando de todo aquele espaço.

Veículos

Outro caso clássico de consumo conspícuo são os carros de luxo e esportivos.
Exceto para aqueles que realmente são aficionados por carros, raramente um carro esporte exótico será usado na plenitude de seu potencial. Pelo contrário, a maioria desses veículos tendem a virar peças estáticas, apenas para admiração dos próprios donos ou, no máximo, dando uma “voltinha” de vez em quando…

O uso desse tipo de carro costuma ser limitado e pouco prático (inclusive, a maioria das pessoas ricas tem um ou mais carros “comuns” para as coisas do cotidiano). Mas, novamente, serve para comunicar ao mundo que a pessoa pode ter aquilo, ainda que não sirva para nada e tenha uma manutenção caríssima e complexa.

Alimentos e bebidas

Pratos salpicados com pó de ouro e vinhos de dezenas de milhares de dólares são exemplos de consumo conspícuo no mundo dos alimentos.

E é difícil argumentar que esses alimentos e bebidas sejam tão melhores a ponto de justificar os preços. Pelo contrário, a maioria das pessoas “ricas e sofisticadas” é incapaz de distinguir um vinho de milhares de dólares de um vinho barato, que sai de uma caixinha longa vida e que foi comprado em algum mercadinho imundo na periferia de Paris, se ambos forem servidos em copos idênticos e sem identificação.

Joias

Eu deixei as joias por último pois elas são, provavelmente, o símbolo máximo do consumo conspícuo. As joias não têm NENHUMA função que não seja “impressionar outras pessoas”.

São objetos desprovidos de qualquer utilidade. Roupas caras ainda podem te aquecer; o carro esporte exótico ainda pode ser usado como veículo; a casa imensa ainda mantém sua função de te abrigar; o vinho de milhares de dólares ainda pode ser bebido… Mas, e as joias? Para que elas servem?

De volta à questão da liberdade

Como vimos, o consumo conspícuo não é o consumo voltado para o próprio prazer e a própria satisfação (a não ser que você seja uma pessoa psicopata). É um consumo voltado para competir pela atenção de outras pessoas e para a atender códigos sociais que, em grande parte, não fazem sentido e você sequer sabe de onde vieram.

A pessoa que entra no “buraco negro” da ostentação e do consumo conspícuo se torna uma pessoa reativa. Ela não conduz a própria vida, mas, sim, se deixa conduzir por outras pessoas, sejam seus “concorrentes” em seus círculos sociais ou os famosos “formadores de opinião”, que ditam regras de como as pessoas devem se vestir e que lugares devem frequentar. Está (ainda que não perceba desta forma) constantemente em busca de aprovação e validação de terceiros.

“Algum” consumo conspícuo pode ser aceitável, mas, em altos níveis, indica que a pessoa não está mais vivendo em seus próprios termos, e sim nos termos de outras pessoas. Ou seja, ela foi escravizada pela própria riqueza.

O Milionário Mora ao Lado

Eu quero terminar este artigo com uma menção honrosa ao livro “O Milionário Mora ao Lado”, um clássico das finanças pessoais, escrito por Thomas J. Stanley e William Danko em 1996.

É um livro com muitos problemas conceituais, e que já foi criticado (com razão) por vários outros autores, por ter formado uma tese baseada em uma amostragem fraca e enviesada.

Porém, o livro é muito interessante na forma como descreve a vida de alguns milionários americanos, que são “verdadeiramente ricos”, mas vivem vidas discretas e confortáveis, sem a necessidade (e nem o desejo) de chamar a atenção e ganhar aprovação de outras pessoas.

O tipo de milionário descrito no livro é, talvez, o exemplo da pessoa que conseguiu transformar a riqueza em uma ferramenta de libertação pessoal, e não de aprisionamento.

O livro se torna uma leitura interessante, não como um guia de como ficar rico (neste ponto, ele falha miseravelmente, por conta das falhas metodológicas mencionadas), mas como um guia de COMPORTAMENTO para depois que a riqueza for conquistada.

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