31/08/2020 • , • por Andre Massaro

Investidores e o excesso de confiança


Um dos maiores riscos dos investimentos é, também, um dos mais fáceis de identificar: Basta olhar no espelho. O excesso de confiança dos investidores causa muito mais perdas nos investimentos do que as crises e circunstâncias normais do mercado financeiro.

Existe uma frase, no mundo das finanças, que diz que o elo fraco dos investimentos é o próprio investidor. Essa visão do investidor como o “elo fraco” se reforçou com o desenvolvimento da Economia Comportamental, aquela área de conhecimento relativamente nova (que fica “perdida” entre a Economia e a Psicologia) que estuda os processos de decisão econômica e financeira das pessoas.

De uma forma geral, a autoconfiança é uma coisa boa. Inclusive, boa parte da indústria de autoajuda e desenvolvimento pessoal é dedicada ao desenvolvimento da autoconfiança em todos os contextos, desde o profissional até o amoroso.

Porém, quando em excesso, a autoconfiança pode nos causar grandes problemas e, no caso dos investimentos, grandes prejuízos.

O “realismo depressivo”

Existe uma tese, no mundo da psiquiatria e da psicologia, chamada “realismo depressivo”. A linha de pensamento no qual essa tese se baseia é a de que a pessoa que sofre de depressão não vê o mundo de uma forma negativa: Ela vê o mundo, simplesmente, “como ele é”.

É a pessoa saudável (não depressiva) que tem uma visão naturalmente distorcida da realidade, enxergando tudo “cor de rosa” e com uma postura exageradamente otimista (se formos considerar a realidade das coisas…).

É uma tese interessante, relativamente nova (do final do Século XX) e vêm surgindo algumas evidências que estão dando bastante suporte para essa visão.

A tese do realismo depressivo diz que a pessoa depressiva é a que está “certa”, que enxerga o mundo sem filtros e lentes. A pessoa não depressiva é quem enxerga um mundo de fantasia.

O que vou falar aqui vai soar um pouco “deprimente”, mas… Segundo a tese do realismo depressivo, a pessoa que sofre de depressão não se acha um lixo e não acha que o mundo é um lugar horrível. Ela é, de fato, um lixo (todos somos), e o mundo é, realmente, um lugar horrível… A diferença é que ela vê isso com clareza, enquanto a pessoa “normal” é incapaz de enxergar – está cegada pelo próprio otimismo.

O realismo depressivo pode ser (muito provavelmente é) a base do chamado “viés de otimismo”, que é bastante referido no mundo das finanças e da economia e que é fortemente associado com o excesso de confiança dos investidores.

O que é o excesso de confiança

O excesso de confiança é um viés cognitivo que é derivado de outros vieses, como o viés do otimismo, (já comentado anteriormente), o viés de autoconveniência (em Inglês self serving bias), o viés de retrospectiva e o viés de disponibilidade.

O viés de autoconveniência é a tendência que temos de achar que somos melhores do que realmente somos. Esse viés faz com que a gente veja nossas vitórias como fruto de nosso mérito e competência pessoal; e nossas derrotas como resultado de falta de sorte, incompetência de terceiros ou da “injustiça do mundo”.

O viés de retrospectiva é o famoso “dirigir olhando pelo espelho retrovisor”. A pessoa tem a crença (ou a percepção) de que previu o futuro, mas só depois que esse futuro já “aconteceu”. É um viés que acomete muitos investidores e analistas que fazem “chutes” sobre o comportamento de mercados e ativos e, quando acertam (ocasionalmente acabam acertando), passam a realmente acreditar em seus “poderes premonitórios”.

O viés de disponibilidade é aquele que faz com que a gente dê mais peso (ou valor) para informações mais recentes ou que vemos com mais frequência.
Então, se os mercados estão subindo nos últimos anos, temos a tendência de achar que o mercado “só sobe”. É como se, subitamente, nos esquecêssemos de que existem crises e períodos de “vacas magras”.

A combinação desses vieses gera esse viés do excesso de confiança, que faz com que o investidor tome decisões de alto risco, mal pensadas e mal avaliadas, na crença de que ele é mais talentoso e preparado do que realmente é. E, frequentemente, o resultado final do excesso de confiança acaba sendo um grande tombo…

Os sintomas do excesso de confiança

Os principais sintomas do excesso de confiança são a euforia, a sensação de invencibilidade e a exposição exagerada a riscos.

No mundo dos investimentos é comum, especialmente quando o mercado faz grandes movimentações, vem investidores e traders dando “demonstrações de macheza” quando obtém ganhos expressivos (o que se tornou ainda mais comum com a popularização das mídias sociais).

Esses traders e investidores em “surto exibicionista” estão, frequentemente, tomados pelo excesso de confiança (especialmente por conta de seus ganhos recentes) e, em grande parte das vezes, apoiados nessa sensação de terem algum tipo de superpoder, acabam agindo de forma inconsequente, fazendo grandes “apostas” (frequentemente com dinheiro que não têm, usando alavancagem e conta margem) e fazendo entradas em determinadas operações quando o mercado não está oferecendo as condições ideais.

Como combater o excesso de confiança nos investimentos

Antes de prosseguirmos, é importante lembrar que o problema do qual estamos tratando aqui é o EXCESSO de confiança, que é um problema reconhecido e bem documentado no mundo dos investimentos e da Economia Comportamental.

Não estamos falando, simplesmente, de “confiança”. Algum grau de confiança nós temos que ter. Do contrário, seremos todos investidores hesitantes e covardes (e não se chega muito longe desse jeito…).

Por isso, é preciso um pouco de finesse e bom senso, observando os sintomas, para saber diferenciar o que é uma confiança saudável daquele excesso de confiança que nos faz agir de forma temerosa e inconsequente.
Mas vamos ver, então, três coisas que podemos fazer para colocar o excesso de confiança “em xeque”:

1- Questionar a própria competência

É preciso estar sempre atento ao viés de autoconveniência, e a melhor forma de fazer isso é avaliar todas as suas operações financeiras (as vencedoras e perdedoras) e se perguntar: “Até que ponto meus ganhos foram competência e minhas perdas foram má sorte?”

Para isso, uma boa ferramenta (que é frequentemente recomendada para investidores e traders) é um diário de operações, que obrigue a pessoa a registrar todas as operações financeiras – não só os valores e ativos, mas os motivos que a levaram a entrar naquela operação.

Esse diário poderá dar informações importantes para avaliar as operações, tanto vencedoras quanto perdedoras, com mais objetividade.

2- Converse com “terceiros qualificados”

É interessante discutir suas estratégias e ideias de investimentos com outras pessoas. E fique tranquilo que dificilmente alguém vai “roubar suas ideias” ou “botar mau olhado” (cuidado com o viés de autoconveniência!).

E o que é um “terceiro qualificado”? Não é a sua mãe (que te acha um gênio em qualquer coisa que fizer), não é seu cunhado no almoço de família (que acha a si próprio um gênio… especialmente se estiver com alguma “aditivação etílica”) e não é seu assessor de investimentos que, ainda que seja extremamente competente, tem seus próprios vieses e não está totalmente alinhado com seus objetivos.

“Terceiros qualificados” são pessoas que entendem de investimentos e trading, que não tenham conflitos de interesse (não queiram te vender nada) e que tenham condições de apresentar argumentos contrários àquilo que você está fazendo, de forma a ver até que ponto suas ideias e seus métodos “param em pé”.

Onde encontrar esses “terceiros qualificados”? Essa é uma pergunta difícil de responder (até porque um monte de gente considera a si própria como “terceiro qualificado”… olha o viés de excesso de confiança em ação!). Mas, se você participar de alguns grupos e comunidades de investidores de alto nível, poderá, aos poucos, formar o seu “grupo de conselheiros”, que vai te fazer questionamentos duros para seu próprio bem.

3- Defina políticas de risco

Estabeleça, para si, políticas de riscos em seus investimentos e operações financeiras, definindo condições ideais para entrar em uma operação (setup), limites de alocação (o chamado position sizing) e perdas máximas aceitáveis.

E, mais importante: SIGA essas políticas. Pois muitos investidores, quando tomados pelo excesso de confiança, rasgam as próprias regras e resolvem “entrar com tudo e mais um pouco”.

Conclusão

O excesso de confiança não é, propriamente, um “defeito”, e sim uma característica (como diz o pessoal de tecnologia: “It’s a feature, not a bug”). Se você sofre, ocasionalmente, de excesso de confiança, isso apenas mostra que você é um ser humano (e não está sofrendo de depressão).

Porém, é preciso estar constantemente vigilante com esses e outros vieses, pois eles podem nos levar a grandes perdas e a grandes sofrimentos.

Inclusive, aqui no artigo, foram apresentadas ideias de como combater esses vieses (atenção às palavras exatas que são usadas: “combater” – não “evitar” e muito menos “eliminar”).

Mas, com a devida disciplina e atenção, é possível colocar o excesso de confiança em perspectiva e identifica-lo antes que ele cause algum estrago maior em nossos investimentos.

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