23/01/2020 • , • por Andre Massaro

O que são vieses cognitivos


Os vieses cognitivos são um assunto recorrente em Economia, finanças, pensamento crítico e tomada de decisões. Um viés cognitivo é, falando de forma simples, uma “falha lógica sistemática” em nossas avaliações e julgamentos. Ela é “sistemática” no sentido de que acontece sempre – é como se fossemos “programados de fábrica” para cometer aquela falha.

Então, um viés cognitivo não é aquele erro aleatório típico, que cometemos por ignorância. Um erro causado por ignorância tende a não se repetir se aquela ignorância for eliminada. Em um erro típico as coisas funcionam da seguinte forma: Fazemos uma bobagem, sofremos as consequências, aprendemos (e aqui deixamos de ser ignorantes) e, se tudo der certo, não repetimos o erro (ou, pelo menos, não repetimos do mesmo jeito).

O viés cognitivo é diferente. Por sua natureza sistemática, ele tende a se repetir indefinidamente, mesmo que a gente sofra todas as consequências negativas e penalidades possíveis.

Algumas verdades (inconvenientes) sobre a mente humana

É comum (até por conta do desenvolvimento e popularização da Inteligência Artificial) as pessoas fazerem a comparação do cérebro humano (e da mente, que é a “função sensorial” do cérebro) com um computador. Mas o cérebro humano não é um computador.

Sem querer entrar em discussões de natureza metafísica, as evidências que temos, até o momento, são de que o cérebro (e a mente) é uma “colcha de retalhos” resultante de um processo evolutivo aleatório. Ele não foi (até onde se sabe…) “projetado”, como um computador é.

Outra coisa importante sobre o cérebro é que ele é extremamente versátil. Ele faz tudo, desde controlar nossa respiração até funções cognitivas de alto nível. Já computadores (e mesmo inteligências artificiais) são, ao menos no momento em que escrevo essas palavras, limitados a uma ou poucas funções. Nenhum computador chega sequer perto da versatilidade do cérebro humano.

Por essas e outras, nosso cérebro acaba sofrendo daquela “síndrome do pato”. Como dizem por aí, o pato anda, nada, voa… Mas não faz nenhuma dessas coisas de forma particularmente “excelente”.

Em tarefas como cálculos matemáticos, identificação de padrões, acompanhamento de múltiplos objetos e lógica geral, a máquina nos supera. Primeiro por ser especializada e, segundo, porque ela não foi projetada em um cenário que pressupunha escassez de energia.

Evolução, escassez e heurísticas

E a escassez de energia é, até certo ponto, o fator-chave por trás de nossos vieses cognitivos. Já virou clichê dizer que o cérebro humano “custa caro”, que ele consome algo entre 20 a 30% das calorias que ingerimos.

Hoje, essa questão da disponibilidade de energia não é um problema (pelo contrário, a humanidade sofre mais de obesidade do que de fome). Porém, durante a maior parte da nossa existência, a energia era escassa. O conceito de “três refeições por dia” é algo recente na história da humanidade. Por isso, nosso cérebro evoluiu, “moldado” pelas circunstâncias em que vivíamos, para ser, antes de tudo, “econômico”.

E “ser econômico” significa sacrificar algumas funcionalidades e desempenho. É assim com carros, computadores, smartphones e também com nosso cérebro…

Por isso, nosso cérebro acaba fazendo uma série de coisas de um jeito “meio atrapalhado”, pois não temos tempo, recursos e energia para pensar profundamente em algumas decisões. Nossas decisões são, em grande parte, impensadas e baseadas em “atalhos mentais” pré-programados. Esses atalhos são chamados de “heurísticas”.
Heurística é um nome “formal” para atalho mental, pensamento automático, ações impulsivas ou coisas que fazemos sem pensar.

Nosso cérebro faz amplo uso de heurísticas para poupar energia (afinal, pensar “custa caro”). As heurísticas foram “programadas” em nossa mente ao longo de um grande processo evolutivo.

As heurísticas são, em grande parte, uma coisa positiva e nos tiram de grandes enrascadas. Heurística é aquilo que faz com que, ao ver uma pessoa suspeita se aproximando, você vá para o outro lado da rua. É o que faz você se afastar, rapidamente, de um cachorro mal-encarado rosnando para você (antes que ele te morda).

Heurísticas são coisas que nos ajudam a nos proteger de perigos (imagine se você colocar a mão no fogo e tiver que “pensar” se aquele fogo vai te queimar ou não). Mas também nos levam a ter comportamentos preconceituosos e irracionais.

Enfim, o que são os vieses cognitivos

Vieses cognitivos são, então, erros que cometemos baseados em nossas heurísticas. São decisões ilógicas, não pensadas e não refletidas que tomamos automaticamente, muitas vezes sem nos darmos conta.

E essas decisões erradas, frequentemente, acionam nossos mecanismos internos de distorção da realidade (como a racionalização e a justificação) para reduzir a “dissonância cognitiva”. Então, fazemos grandes bobagens (de forma automática e involuntária) e temos uma “historinha” na nossa cabeça para justificar aquilo.

Os vieses cognitivos acontecem o tempo todo e em todas as situações, mas eles são particularmente visíveis nas decisões profissionais, de investimentos e de negócio.

Inclusive, existe uma área do conhecimento relativamente nova chamada “Economia Comportamental” (que fica no meio do caminho entre a Economia e a Psicologia) que estuda, exatamente, os vieses cognitivos e as decisões irracionais envolvendo a aplicação de recursos (inclusive – e principalmente – recursos financeiros).

Por que os vieses cognitivos acontecem?

A principal razão pela qual eles acontecem a gente já sabe: poupar energia.

Mas uma outra explicação para os vieses cognitivos está associada à nossa evolução. Hoje vivemos numa sociedade moderna e apoiada em tecnologia. Porém, se formos ver toda a história da humanidade, este momento “civilizado” que vivemos é uma fração ínfima da nossa existência.

Nosso corpo e nosso cérebro foram moldados não para viver numa sociedade moderna, mas sim na savana, coletando comida, fugindo de predadores e vivendo um dia de cada vez. Nós somos homens das cavernas vivendo em um mundo de ficção científica.

Nossos antepassados tinham que tomar decisões rapidamente e com poucas informações. Do contrário, viravam o jantar de algum tigre dente de sabre. Hoje não é assim. A maioria das nossas decisões envolve planejamento, complexidade, grande quantidade de informações e têm consequências de longo prazo. Só que o nosso cérebro continua aquele… das cavernas!

Os vieses cognitivos são, então, um reflexo do estilo de vida primitivo dos nossos antepassados.

Quais são os vieses cognitivos

A lista dos vieses cognitivos é enorme e não para de crescer. A cada dia novos vieses são identificados e “batizados”. Por isso, não vou me atrever a fazer uma lista, mas vou deixar um link para a Wikipedia (em Inglês) com a lista dos vieses, que vem sendo atualizada à medida que as ciências cognitivas avançam: List of cognitive biases.

Mas vou mencionar alguns vieses cognitivos bastante comuns, que merecem destaque:

Viés de disponibilidade

Quando assumimos que a informação que temos (que nos é “disponível”) é representativa da realidade. Por exemplo, a despeito das evidências em contrário, tem gente que acha que viajar de avião é mais perigoso que viajar de carro ou de ônibus.

Isso ocorre porque acidentes aéreos são amplamente noticiados, enquanto acidentes rodoviários raramente ganham destaque público, A pessoa acaba tendo a falsa impressão de que mais pessoas morrem viajando de avião do que de carro ou ônibus.

Ilusão de controle

Quando achamos que temos algum tipo de controle ou previsibilidade sobre eventos aleatórios.

Alguns investidores e traders do mercado financeiro procuram ter acesso a inúmeras fontes de informação (como notícias e análises). Em alguns casos, esse excesso de informação faz a pessoa acreditar que tem a capacidade de “enxergar o futuro”.

Leia aqui: Ilusão de controle – O que é e como combater

Contabilidade mental

É quando atribuímos, a um mesmo recurso, valores diferentes conforme a destinação que planejamos para eles ou sua origem.

Por exemplo, algumas pessoas tendem a ver o dinheiro herdado como menos valioso que o dinheiro “trabalhado”.

Leia aqui: A armadilha da Contabilidade Mental

Custos irrecuperáveis (ou sunk cost, em Inglês)

Também conhecida como “Falácia do Concorde” (por causa do avião). Ocorre quando a pessoa continua investindo tempo, energia, recursos e dinheiro em um projeto que já se sabe ser inviável, mas ele consumiu recursos previamente e a pessoa não quer “perder” aquilo.

É, como se diz popularmente, aquela situação de “já que está no inferno, abraça o capeta”. A pessoa “queima” recursos valiosos para tentar salvar um projeto que já se revelou uma “barca furada”

Falácia do jogador

Quando a pessoa acredita que eventos passados podem influenciar o resultado eventos futuros. O exemplo “clássico” é da roleta em um cassino, em que a pessoa pensa “nas últimas dez vezes seguidas a bola parou na casa preta – na próxima TEM QUE SER casa vermelha” (daí vem, inclusive, o nome “falácia do jogador”).

Enfim, a lista é grande e potencialmente infinita e, mais importante, simplesmente “conhecer” os vieses cognitivos não é uma garantia de que não vamos cometê-los.

Como evitar os vieses cognitivos

A resposta mais curta, objetiva e direta para esta pergunta é “não dá”. Sofrer com vieses cognitivos faz parte da natureza do ser humano. Apenas um robô ou uma inteligência artificial consegue ser puramente lógico e racional.

Podemos tomar algumas atitudes e adotar algumas práticas que nos ajudam a evitar alguns vieses. Mas nem a pessoa mais inteligente do mundo consegue ser racional a maior parte do tempo.

Ter conhecimento dos vieses mais comuns e seus mecanismos ajuda a identificá-los. Mas nem sempre isso é o suficiente. Nosso mecanismo de distorção da realidade é extremamente poderoso e, muitas vezes, acreditamos nas mentiras que contamos para nós mesmos para tentar encobrir nossos próprios vieses.

Inclusive, um viés bastante conhecido (que já foi identificado e catalogado) é chamado de “viés do ponto cego”. É quando conseguimos, com facilidade, identificar os vieses cognitivos nas outras pessoas, mas não em nós mesmos.

O pensamento crítico (a aplicação da lógica informal na avaliação de argumentos e tomada de decisões) é, talvez, a mais eficiente ferramenta para evitar os vieses cognitivos. Mas, ainda assim, ela tem limitações e, como já foi comentado, ninguém consegue ser lógico e racional o tempo todo.

Não podemos evitar os erros, de forma geral. O máximo que nós conseguimos fazer é “errar menos” (e isso já é alguma coisa…). E, nisso, o pensamento crítico pode ajudar.

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