29/12/2019 • • por Andre Massaro

A armadilha da Contabilidade Mental


Dos vieses cognitivos que “assombram” a vida de quem tenta colocar as finanças em ordem, a chamada “contabilidade mental” é um dos mais insidiosos. O fenômeno foi identificado e “batizado” por Richard Thaler, e tem esse nome em alusão a um “plano de contas” que as pessoas têm na cabeça.

Para dar um pouco de contexto: Em Contabilidade (Ciências Contábeis), os ativos, passivos, receitas e despesas são classificados em “contas”. Por exemplo, as parcelas devidas de um determinado financiamento são uma conta do passivo; os valores gastos com energia elétrica são uma conta de despesas; o dinheiro do bônus de final de ano é uma conta de receita e por aí vai…

Então, “Contabilidade Mental” é quando a gente pega o dinheiro e separa em diferentes “contas”, que só existem dentro das nossas cabeças (daí o nome).

Os “potes de dinheiro”

Para ilustrar a Contabilidade Mental, é comum se recorrer à imagem dos “potinhos de dinheiro” (ou jarras, ou gavetas, ou envelopes… qualquer coisa que permita guardar o dinheiro de forma segregada).

Potes de dinheiro, que representam a contabilidade mental
Contabilidade mental é o hábito de separar, mentalmente, o dinheiro em “potes” (contas) diferentes

Então, imagine a seguinte situação: A pessoa quer separar o dinheiro conforme a destinação que ela quer dar a ele. Então, pega um potinho, cola uma etiqueta nele escrita “férias” e, aí, diz para si mesma “neste pote, estou guardando o dinheiro para pagar minha viagem de férias”. Aí, pega outro potinho, cola uma etiqueta escrita “faculdade do filho” – e diz para si mesma “este dinheiro é o dinheiro da faculdade do meu filho”.

Antes de prosseguirmos, uma observação importante: Eu procuro ser bastante rigoroso com os conteúdos que eu posto aqui no site. Eu prezo meu público (e sou grato por ter um público inteligente e de alto nível) e, por conta disso, evito ao máximo dar exemplos nessa linha de “vem aqui que o tio vai pegar na sua mão e desenhar pra você entender”. Mas, neste caso, eu achei que o exemplo “bobo” seria a melhor forma de explicar o conceito básico.

Os potinhos mostram que a pessoa atribuiu uma destinação àquele dinheiro. O dinheiro agora está “carimbado” – ele tem destino certo e não pode ser misturado com o dinheiro dos outros potinhos. Então, se a pessoa precisar de dinheiro para pagar o pronto-socorro (imagine que o plano de saúde deixou ela “na mão”), ela vai recorrer ao cheque especial ao invés de pegar o dinheiro do pote “faculdade do meu filho” (mesmo que o filho não tenha sequer nascido!). Afinal, aquele dinheiro já tem “destinação” – não pode mexer!

Parece fazer sentido, mas… É totalmente ilógico!

Intuitivamente, a prática de separar o dinheiro em contas mentais diferentes (os “potinhos”) faz todo sentido e é um prodígio da organização pessoal. Só que…

Essas contas são uma fantasia, uma “construção mental” que não têm nenhuma base.

A prática de atribuir uma destinação ao dinheiro (e guardá-lo num potinho… seja esse potinho metafórico ou literal) nos leva a fazer coisas completamente ilógicas e irracionais, como recorrer ao cheque especial (pagando juros estratosféricos) quando temos dinheiro ali, “debaixo do nosso nariz” (rendendo uma mixaria… ou mesmo não rendendo nada). Pagamos uma fortuna ao banco para usar dinheiro emprestado quando, na verdade, nós temos o dinheiro – só que nossa mente fica dizendo para nós: “Você não pode usar esse dinheiro, pois você já prometeu que esse dinheiro vai para a faculdade do seu filho”…

Pois é, parece bizarro, mas isso acontece com frequência (não vou ficar surpreso se você disser que já aconteceu com você… comigo já aconteceu!).

Os bancos A-DO-RAM a contabilidade mental

Quem gosta muito desse viés cognitivo são os bancos. Aliás, alguns bancos se tornaram especialistas em explorar essa nossa fraqueza.

Vamos seguir com o exemplo “faculdade do filho”. Imagine que você está acumulando esse dinheiro investindo em CDBs do seu banco (o que é bastante comum). Ao investir em CDBs, você está emprestando seu dinheiro para o banco (se você não sabe como funciona um CDB, clique aqui para ler um artigo que explica tudo).

Aí, um belo dia você precisa de dinheiro… Mas não quer pegar o dinheiro do CDB. Afinal, na sua cabeça, você “carimbou” aquele dinheiro – você atribuiu um destino a ele. Então, o que você faz? Entra no cheque especial e pega dinheiro emprestado do banco.

Agora, olha o absurdo! Você emprestou dinheiro para o banco (via CDB). O banco usa esse dinheiro do CDB (o seu e outros) para emprestar para outras pessoas (inclusive via cheque especial). Isso significa que, se você tem um CDB naquele banco e pega dinheiro no cheque especial, você está, tecnicamente, “emprestando dinheiro para si mesmo”… E pagando juros para o banco! Olha que loucura, você emprestou seu dinheiro para o banco por uma taxa ridícula e, quando precisa de dinheiro, o banco te empresta o SEU PRÓPRIO DINHEIRO (e te cobra juros estratosféricos).

Pois é, não faz nenhum sentido… Mas acontece toda hora! E a cada minuto, em algum lugar do Brasil durante o expediente bancário, alguém está investindo um valor em um CDB (ou algum outro tipo de depósito) e sendo oferecido alguma modalidade de crédito “garantida” por esse CDB… E o cliente fica feliz da vida! Afinal, agora ele tem “limite”… Bem vindo ao mundo da irracionalidade!

Definição e (mais) exemplos de contabilidade mental

A contabilidade mental é, enfim, uma distorção de nossa percepção (um típico viés cognitivo). A nossa percepção do valor do dinheiro (que deveria ser sempre a mesma) varia conforme uma percepção pessoal nossa associada à origem ou à destinação daquele dinheiro.

No caso da origem do dinheiro, temos uma tendência de atribuir um valor diferente dependendo de onde que “o dinheiro veio”. Tendemos a valorizar mais dinheiro que foi ganho com “trabalho duro” do que dinheiro que foi “ganhado”. Dinheiro que é herdado, ganho na loteria ou algo do gênero costuma “evaporar” mais rápido. Não damos tanto valor a ele. Agora, o dinheiro de nosso trabalho a gente cuida com mais “carinho”.

Só tem um pequeno detalhe… Um real “trabalhado” vale a mesma coisa que um real “ganhado”. Só na cabeça das pessoas é que esse valor é “diferente”. Se você pagar a conta do supermercado com dinheiro “ganho” ou “trabalhado”, para o caixa que estiver recebendo, isso não vai fazer diferença alguma…

No caso da destinação, já vimos anteriormente o exemplo com o “dinheiro da faculdade do filho”. Um mecanismo de distorção em nossas cabeças faz com que a gente perceba aquele dinheiro como “mais importante” que os “outros dinheiros” de nossa vida. Só que, aqui, vale o mesmo raciocínio: Dinheiro tem um único valor. Um real vale um real; dez reais valem dez reais… Simples assim.

Princípio fundamental: A fungibilidade do dinheiro.

Uma característica fundamental do dinheiro é a “fungibilidade”. Ou seja, ele se “funde” quando misturado com algum outro dinheiro. É mais ou menos como a água. Se você pegar um copo de água pela metade e completar, você não consegue saber qual é a água “nova” e a que já estava lá.

Então, para combater a contabilidade mental, é preciso aceitar e compreender que o dinheiro é fungível e que essa “separação” só existe em nossas cabeças.

Achar que o dinheiro tem maior ou menor valor, conforme sua origem ou destinação, é algo que, novamente, faz sentido intuitivamente, mas, de um ponto de vista mais racional, pode nos levar (e leva, de fato) a decisões que nos fazem perder dinheiro.

Como combater a contabilidade mental

É difícil combater um viés cognitivo. Ainda mais um viés tão “entranhado” na nossa cabeça como a contabilidade mental. Mas tem algumas atitudes que podem ajudar.

A primeira delas é, como já foi sugerido, entender que o dinheiro é fungível e que a separação do dinheiro é uma construção imaginária. Dinheiro é dinheiro. Money is Money. Cash is cash. Bufunfa é bufunfa.

A segunda é acabar com essa conversa fiada de “dinheiro que eu trabalhei duro para ganhar” e “dinheiro que veio fácil”. Até porque, “dinheiro fácil” não existe e, caso você ganhe uma grande herança (que, para você, pode parecer “dinheiro fácil”), lembre-se de que alguém, de uma geração anterior à sua, trabalhou duro pelo dinheiro que você está recebendo. Então, em respeito a essa pessoa que te deixou essa “benção”, trate aquele dinheiro com a devida seriedade (já ouviu aquela conversa de que “dinheiro não aceita desaforo”?).

Mas, se ainda assim, você quiser (por uma questão de organização pessoal) separar o dinheiro conforme as destinações, faça isso. Mas estabeleça uma política de “fazer empréstimos a si mesmo” quando precisar de dinheiro. Pegue o dinheiro da faculdade do seu filho se precisar (é melhor que recorrer ao cheque especial), mas comprometa-se a repor aquele dinheiro devidamente corrigido, usando os juros de um investimento conservador como referência.

E, se passar pela sua cabeça algum pensamento do tipo “se eu usar esse dinheiro, vou ter dificuldade em repor depois”, quero te lembrar do seguinte: A pessoa mais importante de sua vida não é seu filho, nem sua mãe, nem seu pai, nem seu cônjuge… A pessoa mais importante de sua vida é VOCÊ.

Por isso, quando você estabelecer um compromisso com a pessoa mais importante de sua vida (que é você), CUMPRA esse compromisso. Pois eu tenho certeza que você cumpre compromissos com pessoas menos importantes…

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