14/10/2020 • , , • por Andre Massaro

A manipulação e a “maquiagem” de demonstrações contábeis


A manipulação de demonstrações contábeis é também conhecida pelo nome “maquiagem de balanços” ou, ainda “contabilidade criativa”. É um problema que assola as empresas no mundo todo, mas que tem um impacto significativo e ampliado nas empresas de capital aberto.

Hoje, se tem bastante clareza (até pela atenção que se vem dando a assuntos como “sustentabilidade”) que as empresas são entes sociais e aquilo que elas fazem afeta não só a empresa, mas todo ambiente e a sociedade onde ela está inserida. Ou seja, aquele papinho de “é uma empresa privada e ela faz o que quiser” não cola mais (experimente falar isso na cara de um Juiz, dentro de um tribunal…).

As “traquinagens” das empresas afetam o Governo, os trabalhadores, os fornecedores e muitos mais. Porém, no caso das empresas de capital aberto, afetam, de forma direta e impactante, o acionista – em especial o pequeno acionista, que é particularmente vulnerável e para quem a empresa é uma “caixa preta”.

E é preciso lembrar que “pequeno acionista” não é só aquele sujeito que transaciona ações na bolsa de valores (que alguns veem como uma pessoa não tão merecedora de compaixão), mas também aquelas pessoas comuns que têm suas economias em fundos de pensão e de previdência complementar aberta, contando com aqueles recursos para sua aposentadoria.

A diferença entre “contabilidade criativa” e fraude

As Ciências Contábeis não são ciências exatas. Existem alguns elementos exatos na Contabilidade, como o método das partidas dobradas. Mas muitas coisas, em contabilidade, são dependentes de avaliações, estimativas e sujeitas a critérios contáveis que têm alguma margem de flexibilidade.

Por isso, é possível fazer muita maquiagem contábil sem, necessariamente, ferir a Lei. É a velha questão da coisa que não é “ilegal”, mas é “imoral”.
Então, é preciso ter em mente que toda fraude contábil é “contabilidade criativa”, mas nem toda contabilidade criativa é fraude. É possível fazer grandes maracutaias sem ferir a lei… E muitos contadores, consultores e executivos conhecem bem o caminho das pedras…

Como regra geral, podemos, então, dizer que se tem “mentira” (com dados obrigatórios omitidos ou adulterados) é fraude – aqui, não cabe discussão. Agora, se tem apenas “malabarismo” (as informações obrigatórias estão lá, mas de um jeito nebuloso), pode ser apenas a aplicação abusiva e maliciosa de critérios contábeis sem, necessariamente, caracterizar conduta criminosa.

Quais as motivações para a maquiagem de demonstrações contábeis

A quantidade de motivações para se ocultar ou distorcer informações contábeis é potencialmente infinita, mas existem três motivações que são mais “típicas” e comuns. Por isso, vamos dar destaque a essas três:

Questões fiscais

Aqui é onde entra o famoso “planejamento tributário”, onde empresas tentam reduzir seus lucros (ou mesmo criar prejuízos contábeis) para reduzir sua base tributável e, de forma legal ou não, pagar menos impostos.

Essa é uma prática mais comum em empresas de capital fechado (ou mesmo limitadas). As empresas de capital aberto têm um incentivo natural para fazer o oposto disso (que é “inflar lucros”).

Porém, em algumas circunstâncias (ainda que não seja tão comum), uma empresa de capital aberto pode acabar recorrendo a esse tipo de expediente, de tentar “ocultar” lucros para reduzir a carga tributária.

Atração de investidores

Algumas empresas podem querer “embelezar” os números antes da abertura de capital (IPO) ou antes de lançamentos subsequentes de ações (follow-ons), na expectativa de atrair investidores e obter recursos por um custo mais baixo.

A manipulação das informações financeiras, nesse caso, seria para melhorar os indicadores fundamentalistas básicos (especialmente de liquidez e endividamento) e possibilitar a venda das ações por um valor maior.

“Turbinar” ganhos dos executivos

Esta é, possivelmente, a principal motivação para a maquiagem de demonstrações contábeis em empresas de capital aberto.

Empresas de capital aberto e, em particular, aquelas com capital bem pulverizado, sofrem com o chamado “problema do principal-agente”, em que os interesses dos executivos e dos acionistas não estão perfeitamente alinhados.

Executivos (especialmente quando não são, eles próprios, acionistas) têm um incentivo para obter ganhos maiores em prazos mais curtos, enquanto acionistas querem preservar e aumentar seu patrimônio no longo prazo.

Fora que, em boa parte das empresas, os ganhos variáveis dos executivos (bônus e premiações) são vinculados à performance e aos resultados da empresa em prazos mais curtos (tipicamente de um ano). Isso potencializa ainda mais o incentivo dos executivos para inflarem os resultados de curto prazo, ainda que isso comprometa a saúde da empresa no longo prazo.

Infelizmente, alguns executivos pensam da mesma forma que pensam alguns políticos: “Vou me beneficiar o máximo que eu puder nos próximos quatro anos e, depois, largo a bomba no colo do meu sucessor”…

Só que a “bomba”, neste caso, é a própria empresa… e ela explode no colo dos acionistas.

Formas comuns de manipulação de demonstrações contábeis

Reconhecimento de receitas antes delas acontecerem

Aqui é quando se subverte o princípio da competência, se registrando, no período corrente, receitas cujas despesas e custos correspondentes estão em períodos futuros.

Com isso, se antecipa receitas, melhorando os resultados financeiros de curto prazo.

Diferir despesas do período corrente para períodos seguintes

É algo similar ao que foi dito no item anterior (e com o mesmo objetivo, que é melhorar o resultado da empresa no curto prazo). Porém, ao invés de se antecipar receitas, se “empurra” despesas para o futuro, mantendo as receitas no período corrente (novamente, ferindo o princípio da competência).

É a famosa “pedalada”, que ouvimos com frequência em um contexto de gestão de entidades públicas…

Diferir receitas do período corrente para períodos seguintes

Nem todas as ações de maquiagem de balanços são feitas com o objetivo de melhorar artificialmente os resultados.

Às vezes, uma empresa pode ter um desempenho excepcional em um ano, e os gestores podem optar por não reconhecer parte das receitas no mesmo período (afinal, o resultado foi excelente e as metas foram batidas – talvez não haja bônus para resultados adicionais), jogando receitas para frente de forma a criar uma “reserva”, caso o ano seguinte não seja tão bom.

Esse tipo de manobra serve, também, para tentar “suavizar” a evolução dos resultados ao longo do tempo, dando a impressão de que o desempenho da empresa é mais estável e regular do que realmente é.

Esse tipo de maquiagem pode parecer um pouco mais “inocente” que aquele que visa turbinar os resultados. Mas, de qualquer forma, distorce os resultados reais e afeta a percepção que os investidores formam da própria empresa. Por isso, é algo negativo e prejudicial.

Reconhecimento de despesas antes delas acontecerem

Similar ao que foi apresentado no item anterior. É uma ação com o objetivo de “piorar” o resultado da empresa no período corrente, mas facilitando as coisas para os períodos seguintes.

Porém, ao invés de se fazer isso pelo lado das receitas (postergando-as), se antecipa despesas de anos seguintes.

Registro de receitas não recorrentes como operacionais

Ocasionalmente, uma empresa pode ter receitas não recorrentes (originárias, por exemplo, da venda de ativos – como imóveis e equipamentos industriais de sua utilização). É algo normal e faz parte da dinâmica de qualquer empresa.

O problema é quando os gestores da empresa optam por registrar essas receitas não recorrentes como receitas operacionais – ou seja, receitas oriundas da atividade normal da empresa.

Esse tipo de manobra tem, como objetivo, fazer com que a operação da empresa aparente estar melhor do que realmente é.

É o equivalente empresarial a você vender a sua própria casa e dizer para a sua família “olha pessoal, ganhei um monte de dinheiro!”.

Não reconhecimento de contingências e provisões

Uma contingência (mais especificamente, uma contingência passiva) é um evento não favorável, presente ou futuro, que pode gerar uma obrigação a pagar. Porém, essa obrigação ainda não é conhecida ou mensurável.

Contingências são eventos incertos, porém com alguma probabilidade de ocorrência, e que demandam provisões (reservas) para o caso de se concretizarem.

Só que essas provisões e contingências são dependentes de estimativas e avaliações com alto grau de subjetividade, e os gestores da empresa podem, de forma deliberada, minimizar essas provisões, melhorando os resultados (mas às custas de um aumento de riscos).

Avaliação distorcida (intencional) de ativos e passivos

Alguns ativos e passivos não têm valores de mercado explícitos e precisam ser valorados de forma estimada.

Assim como no caso das provisões, essas estimativas podem ter bastante margem de subjetividade e podem ser manipuladas conforme o interesse de quem está estimando, “inflando” valores de ativos e minimizando valores de passivos.

Uso malicioso de critérios contábeis

Aqui, entram todos os outros casos em que brechas nas normas contábeis são usadas de forma abusiva e maliciosa, com o objetivo de ocultar a situação real da empresa.

Conclusão

A maquiagem de demonstrações contábeis é um fenômeno que acontece (com frequência, diga-se de passagem) e se reverte em perdas, de forma direta ou indireta, para a sociedade como um todo.

Porém, o pequeno investidor, que não tem poder real de influência na gestão da empresa, é particularmente vulnerável a esses “malabarismos contábeis” e as autoridades do mercado financeiro nem sempre são muito atuantes nessas situações.

Por isso, é importante que investidores e analistas desenvolvam alguma sensibilidade para identificar essas tentativas de maquiagem de demonstrações contábeis.

E isso é particularmente importante para aqueles adeptos da análise fundamentalista, que têm as demonstrações contáveis como “matéria prima” e principal fonte de dados de suas análises.

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