27/05/2020 • • por Andre Massaro

Proteja-se de manipulações com a Teoria da Inoculação


Dizer que estamos vivendo numa era de excesso de informações não é nada mais do que dizer o óbvio. A novidade é que, mais e mais, a informação vem sendo usada como arma para controlar comportamentos, crenças e atitudes das pessoas. E dentre as armas que temos para nos defender desses ataques, a “Teoria da Inoculação” é particularmente interessante e efetiva.

O grande problema do excesso de informação (e que facilita seu uso como arma) é que ele sobrecarrega nossa capacidade (que já não é muito grande) de analisar argumentos. É por isso que o chamado “pensamento crítico” (que é a aplicação de técnicas de lógica informal para avaliação de argumentos) tem sido considerado por diversas organizações de estudos e projeções econômico-sociais, como o Fórum Econômico Mundial, como uma das “habilidades profissionais do futuro”.

Antes de qualquer coisa, o que é “inoculação”

Inocular é introduzir intencionalmente, num organismo, um agente patogênico de baixa intensidade (um vírus enfraquecido ou um fragmento de vírus, por exemplo) de forma a desencadear uma resposta imunológica do corpo.

Com isso, o corpo cria defesas (anticorpos) e, caso sofra um ataque “real” daquele agente patogênico, está preparado para responder ao ataque.

Inocular é, essencialmente, “vacinar”. É preparar o organismo para se defender, no caso de um ataque.

É possível inocular sua mente?

A tal “Teoria da Inoculação” (que tem uma origem muito interessante, vale a pena conhecer – será explicada adiante) pressupõe que, da mesma forma que você consegue fortalecer o corpo para se defender de microrganismos, você também consegue fortalecer sua mente para repelir os “vírus mentais” que, frequentemente, estão tentando te contaminar e interferir em suas crenças, atitudes e comportamentos.

De acordo com a teoria, uma pessoa com a mente “inoculada” seria capaz de identificar (e bloquear), mentiras, desinformação e tentativas de manipulação de pensamentos.

Um exemplo bobo (talvez não tão bobo assim…): Imagine que você tem medo que sua casa seja invadida por ladrões (os ladrões são o “vírus”). Então, você procura um ladrão de casas (aquele seu primo advogado ou seu amigo policial podem te apresentar um…) e contrata uma “consultoria” sobre como proteger sua casa de… ladrões!

O ladrão que você contratou (que agora é o ladrão “do bem”) assume o papel do tal “agente patogênico de baixa intensidade”. Ele é o vírus, mas não está em condições de te causar a doença. Aí, como parte do “contrato”, ele vai na sua casa (na dúvida, não deixe nada de valor visível…) e te mostra todas as fragilidades, as vulnerabilidades e o modus operandi dos ladrões.

Com essas informações, você consegue tomar as medidas de segurança e de comportamento que te torna menos propenso a sofrer uma invasão (você desenvolveu “resistência”).

A origem da Teoria da Inoculação

A Teoria da Inoculação foi apresentada, no começo dos anos 60, por um psicólogo americano chamado William J. McGuire.

Logo na sequência da 2ª Guerra Mundial, o mundo presenciou uma outra guerra (desta vez mais localizada e pontual) que foi a Guerra da Coréia. A Guerra da Coréia opôs a Coréia do Sul (de orientação capitalista e apoiada pelos EUA) e a Coréia do Norte (de orientação comunista e apoiada pela União Soviética e pela China).

Uma parte dos militares americanos capturados era levada para campos de prisioneiros na China e, quando a guerra acabou (formalmente ela NÃO acabou, mas isso não vem ao caso aqui), houve a esperada troca de prisioneiros dos dois lados e, surpreendentemente, alguns militares americanos, que estavam presos na China, NÃO QUERIAM voltar para casa. Eles se diziam “identificados com os valores comunistas e chineses”.

Isso intrigou o psicólogo McGuire, que estudou o fenômeno à luz de um outro conceito que surgiu na mesma época: a “lavagem cerebral”. Lavagem cerebral é um termo que só veio ao público nos anos 50 (ou seja, a Guerra da Coréia já estava acontecendo) e era usado para descrever (adivinhe!) os métodos de persuasão adotados pelos chineses.

Influência, manipulação e lavagem cerebral

Ou seja, a Teoria da Inoculação foi desenvolvida para ser uma espécie de vacina contra a lavagem cerebral.

Inclusive, baseadas nas experiências da Guerra da Coréia, a maioria das forças militares (especialmente aquelas mais ativas, que participam de missões em outros países) treina seus membros da “linha de frente” sobre técnicas de tortura (física e psicológica) e de lavagem cerebral.

Com isso, quando eles mesmos forem vítimas de tentativas de lavagem cerebral, eles, supostamente, saberão que aquilo é uma tentativa de manipulação. Aquele velho clichê dos filmes, em que o sujeito fica três horas pendurado e levando porrada e, em algum momento, surge um sujeito amigável e oferece um copo d’água… De acordo com a teoria, a vítima da tortura SABERÁ que o “sujeito do copo d’água” não tem nenhuma empatia por ele e tudo aquilo não passa de um teatro.

Bem… o exemplo pode ser meio besta, mas você entendeu o espírito da coisa, né?

Como EU uso a Teoria da Inoculação

Eu descobri sobre a Teoria da Inoculação casualmente. Psicologia, comunicação e, especialmente, lógica e pensamento crítico são assuntos de meu interesse pessoal e profissional. E, lendo sobre o assunto, cheguei nos estudos do psicólogo William McGuire.
Eu enxerguei a aplicabilidade imediata da teoria na educação financeira (e comecei a usar). Um dos temas principais, em educação financeira, é o consumo. E no consumo é onde vemos, com mais intensidade, tentativas de manipulação.

A linha divisória entre a “influência” e a “manipulação” é quase invisível e é bastante comum marqueteiros, publicitários e vendedores “errarem a mão” (de forma intencional ou não) e agirem de forma antiética e manipulatória.

Por isso, nas minhas palestras e cursos de educação financeira, uma recomendação comum minha era “faça um treinamento de vendas”. A ideia é “aprenda as técnicas usadas por vendedores, especialmente aquelas mais ‘manjadas’, para não cair vítima delas”.

Uma pessoa que já passou por um treinamento de vendas sabe que a grande maioria das “urgências” criadas por vendedores (“este é o último par da loja”) são mentiras descaradas para forçar uma decisão de compra rápida por parte do cliente. Um consumidor “inoculado” não cai nesse tipo de conversa fiada…

Inclusive, em 2013 (faz tempo, hein?), eu publiquei um artigo sobre isso em meu blog “Você e o Dinheiro” (no Portal EXAME) chamado “Faça um curso de vendas (É uma ordem!)”. Na sequência, publiquei “O curso de vendas e a teoria da inoculação“. Acho que vale a leitura dos dois.

Como aplicar a Teoria da Inoculação em sua vida

Identifique aqueles pontos de sua vida que envolvem comunicação com outras pessoas onde você, na sua visão, tenha algum tipo de fragilidade.

Você acha que é uma pessoa facilmente manipulável com histórias tristes? Você sente que, em negociações, o outro lado sempre “arranca sua pele”? Você acha que seus parceiros amorosos abusam de você?

Bem… A Teoria da Inoculação pode te salvar (acredite).

Escolha qual é a área de maior fragilidade em sua vida e aprenda como ser “sacana” (mas não é para você ser sacana com as pessoas, e sim para você saber se defender da sacanagem dos outros). Faça cursos e leia livros que ensinam as “técnicas” daquilo para o qual você quer criar imunidade.

Se você se sente vítima de abusos em sua vida profissional, faça cursos e leia livros de negociação e de persuasão (existem tantas opções que você poderá passar o resto da vida lendo sobre isso, se quiser).

Se você se sente vítima de abusos na sua vida amorosa e afetiva, faça cursos e leia livros sobre sedução. Existem milhões de opções na linha “Como colocar as mulheres aos seus pés” e “Como conquistar um marido rico” que vão te dar insights valiosos (você vai ouvir um monte de bobagens, mas, no meio das bobagens, sempre têm umas “pérolas”).

Se você se sente vítima de abusos como consumidor, aprenda sobre propaganda, publicidade e técnicas de venda. Aprenda a “pensar como um vendedor”. Eu tenho certeza que, depois disso, vai ser difícil alguém “te passar a perna”.

Um caso real (que saiu pela culatra)

Tem um caso bastante famoso de aplicação da Teoria da Inoculação que acabou tendo efeito totalmente inverso.

Tem um livro que hoje é considerado “leitura obrigatória” por profissionais de marketing, vendedores e comunicadores em geral. Esse livro se chama “As Armas da Persuasão” e foi escrito pelo psicólogo americano Robert Cialdini.

O livro (que é excelente, por sinal) ensina seis “princípios” da persuasão e, nele, o autor diz, explicitamente, que o objetivo do livro NÃO É ensinar pessoas a persuadirem, e sim ensinar a EVITAR tentativas maliciosas de persuasão.

Porém, o livro acabou virando, de fato, um “manual de persuasão” e, hoje em dia, em qualquer anúncio ou página de vendas na internet você poderá identificar o “DNA” daquele livro. Inclusive, o título original do livro é “Influence” (Influência… pura e simples). Aqui no Brasil, os editores escolheram o título extremamente apelativo, forçado e mal intencionado de “As Armas da Persuasão” (“armas”? Porra… menos, né!?).

Conclusão

A Teoria da Inoculação é um importante item da “caixinha de ferramentas” daqueles que querem cultivar o pensamento crítico e evitar tentativas maliciosas de persuasão (ou mesmo de “lavagem cerebral”, que é o que está na origem da teoria).

Como vimos neste artigo, ela pode ser facilmente aplicada e tende a ser muito efetiva. Ela não é perfeita (eu conheço vendedores que, quando estão no papel de consumidores, caem nas lorotas que eles mesmos contam aos clientes), mas, com certeza, vai te dar um grau de percepção de que “alguma coisa está errada” quando alguém tentar te manipular.

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