Saber identificar fake news virou uma das habilidades básicas para ter sucesso (e não passar vergonha) no mundo moderno.
Uma das coisas mais paradoxais da história da humanidade é que as pessoas lutaram, por milênios, para terem liberdade de expressão.
E hoje, que temos essa liberdade (ou, ao menos, temos a ilusão de tê-la), temos um excesso de informação tão grande que ficou difícil distinguir o que é verdade, o que é mentira e o que é, simplesmente, irrelevante.
Fake news, desinformação e propaganda
As fake news não são uma coisa nova. O que é novo são os meios e a velocidade com que ela se propaga.
Uma das características da comunicação, no mundo moderno, é o poder de criação e propagação, por pessoas “comuns” (graças à internet e às mídias sociais) de qualquer tipo de informação, sobre qualquer assunto.
Em outros tempos, a informação era controlada, majoritariamente, por governos, grupos de mídia e grupos de interesse organizados, e o poder de propagação de um indivíduo comum se limitava, na maioria das vezes, ao seu círculo social fisicamente próximo.
Existem dois termos que são correlatos às fake news. Um desses termos é “desinformação”. Desinformar é propagar, deliberadamente, notícias e informações falsas com o objetivo de enganar as pessoas (atenção aqui à palavra “deliberadamente”).
Outro termo correlato é “propaganda” no sentido anglófono da palavra. Em Português, usamos a palavra “propaganda” como um sinônimo de “publicidade”.
Porém, em Inglês, “propaganda” significa usar a informação de forma manipulatória, de forma a induzir as pessoas a um certo comportamento.
A diferença da desinformação e da propaganda (novamente, no sentido anglófono da palavra) é que a propaganda não é, necessariamente, baseada em informações falsas.
Na propaganda, a informação pode até ser verdadeira, mas ela é apresentado de forma distorcida e enviesada, para influenciar (ou mesmo manipular) o comportamento e as ações das pessoas.
A fake news “típica”, dos tempos modernos, se parece com a desinformação (no sentido de ser mentirosa), mas não necessariamente tem a intenção deliberada de te enganar.
Algumas pessoas espalham fake news “na inocência”, na presunção de que estão fazendo uma coisa positiva.
A famosa “tia do WhatsApp”, que te manda uma notícia dizendo que fazer gargarejo com soda cáustica previne câncer na faringe não está, deliberadamente, tentando te enganar.
Ela é apenas uma pessoa ignorante que acha que está fazendo o bem. É uma imbecil, mas uma imbecil inocente.
Pensamento crítico: O antídoto
Pensamento crítico (para saber mais o que é, leia o artigo “O que é Pensamento Crítico”) é a aplicação da lógica informal para avaliação de argumentos.
Toda fake news é, em essência, um argumento (composto de premissas e de uma conclusão). Saber identificar e analisar corretamente um argumento vai te permitir identificar, com precisão, as fake news.
Num processo de análise típico com uso de pensamento crítico, se avalia, inicialmente, as premissas (para ver se são sólidas e verdadeiras) e as conclusões (para ver se são válidas – isto é, se são coerentes e alinhadas com as premissas).
Um argumento é formado de uma ou mais premissas e de uma única conclusão (um argumento pode ser a premissa de outro argumento, mas não existe argumento com mais de uma conclusão).
No processo de pensamento crítico, se procura identificar se as premissas são verdadeiras (“sólidas”, no jargão da lógica informal). Se as premissas são erradas, o argumento é inválido.
Mas se as premissas são verdadeiras e a conclusão não segue as premissas, temos uma falácia que é conhecida pelo nome, em Latim, de non sequitur (literalmente “não se segue”).
Para saber mais, leia aqui:
Outra coisa que o pensamento crítico faz é “acender luzes amarelas” em argumentos que podem até fazem sentido, mas podem estar contaminados por conflitos de interesse.
A existência de conflito de interesses não “invalida” um argumento, mas costuma ser um gigantesco sinal de alerta de que as informações por trás daquele argumento podem estar distorcidas ou incompletas.
Identificando as fake news
Salvo naqueles casos de coisas flagrantemente falsas e erradas (na linha “a terra é plana”), a identificação das fake news é um jogo de exclusão e de probabilidades. A gente define que uma fake new é, de fato, “fake”, por um processo de exclusão.
Verifique as fontes
Todos sabemos que a mídia tradicional está longe de ser “pura” e que os especialistas em determinado assuntos estão longe de serem os donos da verdade. Porém, como já foi dito anteriormente, aqui é uma mera questão de jogar com as probabilidades.
Um médico pode estar errado sobre a medicina ou, pior que isso, estar mal intencionado (afinal, o conflito de interesses pode afetar a qualquer um). Porém, é mais provável que um médico esteja correto sobre medicina do que o seu tio Zé, que sequer terminou o segundo grau e gosta de dar dicas de saúde enquanto está embriagado, no churrasco da família.
No caso da mídia, é a mesma coisa. Os grandes veículos de mídia estão longe de serem “santos” e casos de corrupção de jornalistas e editores são notórios.
Porém, podemos presumir que aqueles conteúdos que são publicados nos veículos de mídia estabelecidos são mais sujeitos a checagens e verificações do que aquilo que sai em algum blog ou canal de vídeos independente, onde quem escreve sequer sabe qual é a diferença entre “fato” e “opinião”.
Um veículo tradicional e estabelecido de mídia pode estar errado? É claro que sim! Um veículo tradicional e estabelecido de mídia pode estar corrompido? Claro que sim! Mas, novamente, é uma questão de probabilidades.
Um blog totalmente opinativo, escrito sem qualquer critério de integridade jornalística, pode, eventualmente, estar certo. Mas apresenta maior probabilidade de estar errado que um veículo de mídia bem estabelecido.
Verifique a existência de conflitos de interesses
A existência de conflitos de interesses não “mata” um argumento, mas funciona como um sinal de que aquele argumento deve ser melhor investigado.
O fato de um determinado grupo empresarial, político ou de mídia postar uma notícia que seja “conveniente” para seus interesses não faz com que ela seja, automaticamente, falsa.
Mas esse interesse na notícia pode levar ao enviesamento, onde quem publica ressalta aquilo que interessa e esconde o que não interessa.
Nesse caso, é interessante conhecer um pouco sobre a estrutura de incentivos de quem está publicando a informação. Se for um portal jornalístico ou um blog: ele está ligado a algum grupo empresarial, político, religioso ou de interesse?
Se estiver ligado (e isso é comum), é preciso verificar aquela mesma informação em outras fontes que tenham uma estrutura de incentivos diferente, para ver se ela é consistente.
Se algo é publicado por diferentes grupos de mídia com estruturas de incentivo diferentes, há maior chance de aquela informação estar correta.
Por exemplo, se uma mesma notícia sobre política é publicada em dois portais jornalísticos bem estabelecidos, mas um alinhado com a “direita” e outro com a “esquerda”, a probabilidade de ser uma informação legítima fica aumentada.
Verifique a linguagem
Notícias e informações sérias e verdadeiras raramente precisam de “ajuda” para serem divulgadas. Normalmente, elas já carregam um peso de credibilidade e não precisam de um “empurrãozinho” seu para serem conhecidas pelo grande público.
Por isso, qualquer notícia ou informação que venha acompanhada de pedidos como “espalhe esta notícia para todos os seus conhecidos” ou “divulgue esta informação para seus contatos” já demonstra uma maior probabilidade de ser fake news.
Nesta hora, é interessante lembrar do famoso humorista Grouxo Marx e de sua célebre frase “eu não entro em clubes que me aceitam como sócio”.
Por que alguém te pede para divulgar algo para todos os seus conhecidos? Se você não é um jornalista, ou uma pessoa influente, e alguém está te pedindo ajuda para divulgar uma notícia… uhmmm, “aí tem”…
Fake news e o desejo de ser “diferentão”
Um fato que deve sempre ser considerado ao avaliar fake news é o “quem está espalhando”. Nem todo “espalhador de fake news” é maldoso e mal intencionado.
Muitos gostam de espalhar fake news por uma questão de ego, pois isso os faz se sentirem detentores de algum conhecimento especial e exclusivo, que está sendo “escondido pela grande mídia e pelos governantes ocultos do mundo”.
A maioria das pessoas vive uma vida tão medíocre, tão sem graça e tão pobre de significados que qualquer oportunidade de compartilhar uma informação que as faça se sentir “especiais” precisa ser aproveitada.
E boa parte das fake news se apoia nesse sentimento, de que “estão escondendo alguma coisa de você, mas vou te contar a verdade!”.
Então (sei que isso vai soar um pouco cruel, mas preciso falar ainda assim), o grau de “carência afetiva” de quem está veiculando a notícia também pode acabar funcionando como um indício de que aquela informação é fake new.
Quer levar uma palestra ou workshop sobre pensamento crítico para sua empresa, escola ou organização? Confira minha palestra “Pense Melhor” clicando no banner abaixo.