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O culto à carga é um exemplo clássico de como algumas pessoas podem ser guiadas por seus vieses cognitivos e por “pensamento mágico”. É um tipo de comportamento ritualístico e pseudocientífico que pode afetar, basicamente, qualquer pessoa.

Mas que é particularmente observável em empreendedores e investidores.

Imagine algumas situações:

Boneco da Michelin

Essas três situações descritas são exemplos de “culto à carga” aplicado aos negócios e aos investimentos.

A origem do Culto à Carga

O fenômeno do culto à carga deve existir desde que a própria Humanidade existe. Porém, com esse nome, ele passou a existir após a Segunda Guerra Mundial.

Na Segunda Guerra Mundial, os americanos e os japoneses combateram no Pacífico, e inúmeras ilhas, especialmente na região da Melanésia (próximas à Austrália), foram palcos de combates e serviram de bases militares.

Essa movimentação militar “bagunçou” a rotina dessas ilhas – muitas delas habitadas por povos nativos. Esses nativos observavam a movimentação, com navios e aviões saindo e chegando, trazendo armas, comida, mantimentos e remédios.

Os militares, frequentemente, compartilhavam esses alimentos e remédios com os nativos que, ocasionalmente, os ajudavam como guias ou fazendo outros serviços.

Para os nativos, foi uma fase de abundância como nunca vista.

Só que a guerra acabou… Os militares foram embora e os aviões cheios de comida nunca mais voltaram.

Avião de madeira

Os nativos começaram, então, a imitar (dentro de seu entendimento limitado de toda aquela tecnologia) aquilo que os militares faziam, na expectativa de que, fazendo aqueles rituais, a comida voltaria a “vir do céu”.

Avião de madeira com nativos do Pacífico

Eles fizeram, então, torres de madeira e de palha (que se pareciam com radares e torres de controle de aeroportos), aviões de madeira (estáticos, naturalmente), fones de ouvido com cocos e outras coisas do gênero.

Ficavam falando coisas sem sentido em rádios imaginários, tudo na expectativa de que a “carga” (daí no nome) viria do céu, como vinha na época da guerra.

Avião de madeira com nativos do Pacífico

Obviamente, a “carga” nunca mais voltou, mas os nativos não perderam a fé e mantiveram os rituais por muito tempo. Inclusive, na região do Pacífico, alguns “cultos à carga” se mantém até os dias atuais.

Aplicações do culto à carga na vida moderna

O termo “culto à carga” se tornou popular, fora do contexto de antropologia (que estudava essa questão dos nativos do Pacífico) pelo físico Richard Feynman que criou o termo “ciência culto à carga” (cargo cult science), para se referir a teses pseudocientíficas, que se “travestiam” de ciência, mas eram, na verdade, um verdadeiro atentado à metodologia científica.

E, com essa descrição do culto à carga nas ciências (ainda mais feita por uma figura tão popular e respeitada como Richard Feynman), foi apenas um “pulo” para que o culto à carga fosse identificado, também, em contextos sociais e de negócios.

Então, podemos dizer que uma boa parte dos comportamentos de imitação, com características ritualísticas, se enquadra como culto à carga.

Desde o sujeito totalmente desprovido de sex appeal que passa a imitar o James Bond, a mocinha que quer usar o mesmo cabelo de sua atriz favorita ou o empresário que quer imitar as excentricidades de algum gênio da tecnologia do Vale do Silício

Tudo isso são exemplos de comportamentos que as pessoas copiam de alguém, na expectativa de que as coisas boas que acontecem com aquelas pessoas acontecerão com elas também.

Culto à carga e sinalização

Imitar comportamentos e seguir certos códigos não é nada de muito exótico. Aliás, faz parte daquele “pacote” que faz, de nós, seres humanos.

Porém, o culto à carga tem um componente de “pensamento mágico”, que envolve fé em algo invisível. No culto à carga, existe a crença de que um ritual vai levar a um certo resultado, exatamente como se faz em um contexto religioso, onde se acende uma vela para determinada entidade e se espera que algo aconteça.

É diferente de quando imitamos ou seguimos certos códigos para “sinalizar”. A sinalização (um conceito da Biologia, que foi apropriado pela Economia) não tem nada de mágica nela. São ações deliberadas que tomamos para comunicar, a outras pessoas, o nosso status social.

Por exemplo, uma determinada pessoa pode ser rica, e ela vai dirigir um “carro de rico”, vai morar em uma “casa de rico” e vai fazer coisas que as pessoas ricas fazem, não para “atrair riqueza”, mas sim para deixar bastante claro, para as outras pessoas, que ela é alguém de status superior.

Inclusive, sobre essa questão da sinalização, tem um artigo interessante aqui no site, sobre como as pessoas podem parecer ricas (sim, “parecer” – não necessariamente “ser”).

O culto à carga já é aquela postura ingênua e mística de “gasta que o dinheiro vem”, reforçada por alguns gurus da autoajuda e por gente que quer que você gaste aquilo que você não pode.

Culto à carga nos negócios e nos investimentos

Alguns exemplos de culto à carga nos investimentos:

Exemplos de culto à carga nos negócios:

Conclusão

O culto à carga é um viés cognitivo, uma forma de “pensamento mágico” e não deve ser confundido com sinalização, que é uma coisa deliberada e “estratégica”.

Ele resulta de uma falta de visão sobre causas e efeitos dos eventos, e pode levar, entre outras coisas, a desperdício de recursos, perda de tempo, frustrações e, em algumas situações, àquela dolorosa sensação de descobrir que “bancou o idiota”.

E existe alguma forma de evitar o “culto à carga”?

Sim, existem formas de evitar, e todas elas passam por uma avaliação de nossos padrões de pensamento, tentando identificar os vieses cognitivos e as falhas de raciocínio.

E, nisso, uma das melhores ferramentas é o pensamento crítico, que é a aplicação da lógica informal para analisar argumentos.

É a melhor ferramenta para desfazer (ou tentar desfazer) confusões entre causas e efeitos.

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Respostas de 5

  1. Caramba, depois de descobrir este termo vendo um vídeo gringo sobre a adoção de metodologias ágeis em empresas de desenvolvimento de software por puro modismo em vez de a adoção ser pela eficiência da coisa, estive procurando sobre coisas em português sobre o tema mas não achei… Até que me deparei com seu blog. Excelente conteúdo de altíssimo nível!!! Obrigado

  2. Eu fico EXTREMAMENTE incomodado com esse “culto à carga” que eu mesmo faço, mas é como uma neurose, que eu acho né, que precisa de uma verdade muito sarcástica e irônica para ser desfeita. Obrigado cara

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