Sim, existem pessoas que têm medo de ficarem pobres. Isso se chama “peniafobia” e é, como boa parte das fobias, um medo irracional.
E é um medo muito mais comum do que imaginamos, só que ele não é tão fácil de identificar, pois conhecemos as suas manifestações por outros nomes, como “avareza” e “pão-durismo” (que são ALGUNS sintomas da peniafobia – mas existem outros).
Medo de ficar pobre e medo da pobreza
Talvez seja interessante começarmos com algumas definições. Em alguns textos, você pode ver peniafobia descrita como “medo da pobreza”. Só que medo da pobreza, em um sentido amplo, pode significar, por exemplo, medo de pessoas pobres (o que absolutamente não é o caso aqui).
A peniafobia é o medo da PRÓPRIA pobreza. O medo de, subitamente, perder tudo e ficar “na sarjeta”.
Quando o medo de ficar pobre é racional
Eu creio que todas as (ou pelo menos a maioria das) pessoas que têm algum patrimônio têm medo de “perderem tudo”. Isso vale não apenas para pessoas ricas, mas também para pessoas de classe média, que batalharam por suas coisas e hoje têm algum conforto material na vida (ainda que limitado).
Inclusive, neste site, se dá uma grande importância ao gerenciamento de riscos, ao ponto de ter uma categoria totalmente dedicada a temas de gestão de riscos em investimentos, negócios e na própria vida. O gerenciamento de riscos existe exatamente para NÃO irmos parar na sarjeta…
Isso mostra que o medo de perder tudo aquilo que temos é real, plausível e, ocasionalmente, acontece – especialmente em momentos de grandes convulsões sociais e econômicas.
Porém, como em todos os medos, existe uma escala que vai do racional ao irracional. O medo da pobreza, quando ainda está na região de “racionalidade”, nos leva a tomar medidas de gerenciamento de riscos altamente razoáveis e recomendáveis, como diversificar os investimentos e investir em habilidades com valor econômico (para assegurar a empregabilidade).
Podemos dizer que um medo é racional quando o evento que tememos é plausível (ainda que pouco provável) e ele nos leva a tomar medidas que são, efetivamente, para nos proteger.
Ou seja, é um medo “útil”, que faz com que você não se exponha a riscos demasiados.
Agora, quando um medo vai para o lado da irracionalidade, ele se torna uma “fobia”. E esse é o caso da peniafobia. Ela não é apenas aquele medo (racional e justificável) que faz com que você queira diversificar seus investimentos. É um medo irracional e doentio, que pode “travar” a sua vida.
Peniafobia, vieses cognitivos e transtornos mentais
A peniafobia é associada a um famoso viés cognitivo: a Teoria da Perspectiva (ou Prospect Theory, no original), que é muito estudada em Economia Comportamental (inclusive, rendeu um Prêmio Nobel de Economia para o psicólogo Daniel Kahneman, em 2002, e está bem descrita em seu famoso livro “Rápido e Devagar”).
A Teoria da Perspectiva diz que interpretamos situações iguais de formas diferentes, se elas forem apresentadas em perspectivas de ganhos ou perdas (daí o nome “perspectiva”).
A Teoria da Perspectiva pode ser explicada, de forma grosseira, como o “efeito do copo meio cheio ou meio vazio”. A mesma coisa pode ser vista de forma positiva ou negativa, conforme ela lhe é apresentada.
O que a Teoria da Perspectiva mostra é que os seres humanos têm uma aversão natural e acentuada a perdas, que os leva a tomar atitudes irracionais. A peniafobia pode, então, ser associada a casos extremos de aversão a perdas, em que a pessoa enfrenta grande desconforto emocional só de PENSAR em ter uma perda, ainda que pequena.
A peniafobia também pode ser associada a alguns transtornos mentais, como a ansiedade generalizada ou o transtorno de acumulação compulsiva.
Quem são as pessoas que sofrem de peniafobia
Eu acredito que qualquer pessoa mentalmente saudável, e que tenha algum patrimônio, tem medo de ficar pobre.
Muitas pessoas dizem que não têm medo de ficarem pobres. Mas, para essas pessoas, eu me reservo o direito de acreditar que isso é muito mais um discurso para ficar “bem na fita” (e passar, socialmente, a imagem de pessoa desprendida e desapegada das coisas materiais) do que realidade (é a famosa “sinalização”).
Porém, as pessoas que sofrem de peniafobia (que é o medo IRRACIONAL de ficarem pobres) são, na maioria dos casos, pessoas que passaram por experiências traumáticas de privação material.
Casos típicos são pessoas que viveram infâncias muito pobres e depois enriqueceram. Ou, então, pessoas que tinham uma situação material confortável, “quebraram” e, posteriormente, conseguiram se recuperar.
Outro caso comum é de pessoas que enriquecem muito rapidamente e de forma inesperada, e ficam, em suas mentes, prisioneiras daquela ideia de “o que vem fácil, vai fácil” (como se existisse “dinheiro fácil”…).
Porém, existem pessoas que nunca estiveram sequer próximas de uma situação de privação material, mas, ainda assim, têm um medo doentio e irracional de perderem tudo.
Sintomas de peniafobia
O maior sintoma, para quem sofre, é a angústia. Neste ponto, podemos dizer que os sintomas são muito similares aos da ansiedade generalizada, porém, com um foco maior no dinheiro e nas coisas materiais.
Dos sintomas “externos” e visíveis para quem convive com alguém com peniafobia, está aquilo que, popularmente, classificamos como “avareza”, “mesquinharia” ou “pão-durismo”.
Ou seja, se você vê uma pessoa que vive em um padrão de vida muito abaixo de suas possibilidades e que não empresta dinheiro para ninguém, antes de sair julgando isso como uma “falha de caráter”, considere que pode ser um distúrbio mental.
As pessoas que sofrem de peniafobia, tipicamente, vivem MUITO abaixo de suas reais possibilidades. A pessoa se sujeita, muitas vezes, a uma vida miserável, sem qualquer tipo de prazer ou indulgência, como se estivesse “se punindo”.
Porém, o objetivo não é, claramente, se punir, e sim poupar dinheiro.
Outro sintoma é a acumulação compulsiva de objetos, na crença de que a pessoa “pode precisar daquilo no futuro”. Por isso, o estilo de vida de um peniofóbico sequer pode ser comparado com o daquela pessoa que é minimalista por opção, que procura, deliberadamente, ter poucas coisas e objetos. O peniofóbico é, frequentemente, um acumulador de tranqueiras…
E essa é uma das grandes ironias da peniafobia. O medo irracional de ficar pobre acaba fazendo com que a pessoa viva, de fato, como uma pessoa pobre…
Peniafobia e imagem social
Algumas pessoas ricas constroem suas imagens públicas (e pessoais) indo para extremos. Tem aquelas que partem para a ostentação aberta e aqueles que vão para a linha “super frugal”.
A sociedade tem uma visão curiosa sobre essas pessoas que pegam esses caminhos extremos: Os ostentadores, que são os adeptos do exibicionismo e do consumo conspícuo, são aquelas pessoas que o povo “ama odiar”. Todo mundo diz que não gosta de ostentação, que acha o exibicionismo uma coisa “ridícula”… Mas os perfis das celebridades e subcelebridades nas mídias sociais nos contam outra história (sim, são “os outros” que seguem eles – nunca nós mesmos…).
Já os “milionários frugais” costumam despertar mais simpatia social (apesar de alguns serem atacados, supostamente, por avareza). Muitos milionários (e alguns bilionários) investem nessa imagem de pessoa frugal e desprendida para passar, publicamente, aquela imagem simpática de “gente como a gente”.
Porém, algumas dessas pessoas muito ricas e frugais podem ser, de fato, peniafóbicas, com medo visceral de perderem tudo e vivendo uma vida que beira o autoflagelo.
Ou seja: nem sempre a imagem do rico frugal é, apenas, um “teatrinho”…
Como combater o medo de ficar pobre
O lugar ideal para se tratar fobias e medos irracionais é no consultório do psicólogo. Em particular, a psicologia comportamental-cognitiva tem uma excelente “caixinha de ferramentas” para lidar com essas situações.
Então, se você sofre de um medo de ficar pobre irracional e muito acima do razoável (e não se tranquiliza adotando medidas de gerenciamento de riscos), talvez seja o momento de gastar algum dinheiro (sim, isso vai doer… mas é por uma boa causa!) com um bom profissional de saúde mental.
E uma outra possibilidade para combater medos irracionais é uma outra ferramenta que é muito discutida aqui no site (e que também tem uma categoria dedicada a ela), o pensamento crítico.
O pensamento crítico é a aplicação da lógica informal para a desconstrução e a análise de argumentos. Um medo, seja racional ou irracional, é um argumento, que pode ser expresso no formato de premissas e uma conclusão (“se tal coisa acontecer, eu vou ficar pobre”).
Expressando seus medos no formato de argumentos, você pode avaliar se as premissas são verdadeiras e se as conclusões “fazem sentido” do ponto de vista lógico.
Às vezes, essa análise de argumentos é o suficiente para “desmanchar” um medo irracional.
Porém, nem sempre… Por isso, se não for o suficiente, a coisa certa a se fazer é procurar um profissional de saúde mental!
Comentários
A conclusão é correta, mas eu esperava alguma discussão sobre estratégias de proteção de patrimônio e fiquei um pouco decepcionado por não haver sequer menção, que serviria aos que não chegam ao caso de doença.