08/05/2021 • , , • por Andre Massaro

‘Self-consciousness’ e a gloriosa arte de tocar o foda-se


A Língua Portuguesa é riquíssima, mas ela tem algumas limitações. Uma delas é que não temos uma palavra ou expressão para designar aquilo que, em Inglês, se chama de “self-consciousness”.

Self-consciousness, se traduzido de forma literal, vira “autoconsciência”. Porém, em Inglês, a autoconsciência (no sentido de consciência existencial de si mesmo) se chama “self-awareness”.

Essa diferença, inclusive, é algo que dá um nó na cabeça de tradutores de livros de psicologia e autoajuda, que acabam tendo grande dificuldade em explicar esses dois conceitos, especialmente quando AMBOS aparecem no mesmo livro (o que não é uma coisa incomum).

Então, vamos começar entendendo o tal “self-consciousness” e, caso você já não saiba o que é, eu tenho certeza que você vai reconhecer, imediatamente, essa característica em você mesmo e em outras pessoas.

Isso porque todos nós temos self-consciousness em maior ou menor grau e, em algum momento, isso já nos fez sofrer (ou faz até hoje).

O que é self-consciousness

Eu lamento ter que manter essa expressão no original em inglês, mas REALMENTE não temos uma forma mais simples para definir e, para piorar, esse “consciousness” é uma expressão de difícil pronúncia para os falantes nativos de Português (fica uma coisa como “conchiousnês”).

Então, vamos dizer que, de forma grosseira, self-consciousness é “encanar com aquilo que você acha que podem estar pensando de você”.

É uma preocupação excessiva com a sua própria imagem em relação a outras pessoas e a si próprio. É o receio do “o que os outros vão pensar se eu fizer tal coisa”, de ser julgado, recriminado e ridicularizado.

E essa preocupação é, tipicamente, focada na nossa aparência e no nosso comportamento.

Self-consciousness é uma característica, não um defeito

Nós, seres humanos, somos animais sociais. A capacidade de vivermos em grupo e, mais que isso, de vivermos EM HARMONIA com nosso grupo foi (e ainda é) fundamental para nossa sobrevivência como espécie.

Por isso, qualquer pessoa mentalmente saudável tem algum grau de self-consciousness.

Aquela pessoa que diz que “não liga para o que os outros pensam”, de duas, uma: Ou está mentindo (para “pagar de fodona”) ou é sociopata.

O self-consciousness se torna um problema quando a pessoa exagera nessa preocupação e deixa de fazer aquilo que quer (ou precisa), por conta de um medo irracional de julgamentos ou recriminações.

Alguns exemplos de self-consciousness

O self-consciousness está, tipicamente, associado à sua aparência física, à sua reputação ou ao seu comportamento.

Você QUER fazer alguma coisa (e, aqui, o “querer” é importante), mas não faz por medo de julgamentos, recriminações e ridicularizações.

Por exemplo:

  • Assumindo que você seja uma mulher, você ADORARIA ir de biquini na piscina do hotel, mas está fora de forma (ou já não está tão jovem) e não faz isso por receio do que as pessoas vão pensar de você.
  • Você está numa festa e gostaria de dançar com as outras pessoas, mas não faz isso por receio de que vão te achar uma pessoa desengonçada, atrapalhada etc.
  • Você conhece uma pessoa em algum lugar que “era tudo o que você queria” (como potencial parceiro ou parceira), mas fica com receio de começar uma conversa, por medo de rejeição e ridicularização.
  • Você quer sair com aquela sua roupa super confortável, mas fora de moda. E deixa de fazer isso por medo do que “os outros vão pensar”.

Tudo isso são exemplos de self-consciousness exagerado, onde a pessoa efetivamente “se reprime” por medo de julgamentos.

Os tipos de self-consciousness

Os profissionais e estudiosos da área de Psicologia costumam classificar o self-consciousness em duas categorias: público e privado.

O self-consciousness público é aquele em que o medo do julgamento está voltado para terceiros. É o proverbial “o que os vizinhos vão pensar?”.

Já o self-consciousness privado é aquele em que o julgamento ocorre em seu diálogo interno. Neste caso, o “julgador” é você mesmo. E esse julgamento pode ocorrer com base em códigos morais, religiosos e de comportamento que você incorporou a si mesmo.

Os graus de self-consciousness

Eu já disse isso antes, mas não custa dizer de novo: Qualquer pessoa mentalmente saudável tem “self-conscience.

A questão é de graduação. Quando a pessoa vive permanentemente com a sensação de que está num palco, com um holofote apontado para ela e com todas as pessoas observando cada detalhe, aí podemos dizer que o self-consciousness virou, de fato, um problema.

Inclusive, no mundo da Psicologia, criou-se um conceito chamado de “efeito holofote” (ou spotlight effect, no original), para descrever essa sensação que as pessoas com alto self-consciousness têm de estarem sendo observadas e monitoradas, como se estivessem em um palco iluminado.

As pesquisas já realizadas sobre o “efeito holofote” mostram que, em média, metade das pessoas que você ACHA que repararam alguma coisa em você, simplesmente, não te notaram.

Ou seja, se você aparecer em alguma festa ou evento social com uma melancia na cabeça, metade das pessoas que você acha que vão te julgar, simplesmente, não darão a mínima

Nós SUPERESTIMAMOS aquilo que as pessoas vão achar de nós. Mas as pesquisas indicam que, pelo menos, metade da população está “cagando e andando” para aquilo que fazemos e falamos…

Enfim, a hora de “tocar o foda-se”

Devo confessar que eu passei por um momento de self-consciousness exacerbado antes de usar “foda-se” no título e no corpo deste artigo.

Mas não é por se tratar de um termo chulo e “pouco jornalístico” (isso nunca me inibiu, inclusive em palestras, workshops e ocasiões formais), mas sim porque, nos últimos tempos, um monte de autores de autoajuda e afins começou a usar palavrões nos títulos de suas obras, para parecerem autênticos, espontâneos e “super descolados”.

Usar palavrões virou uma “modinha” e eu não queria ser percebido como alguém que se rendeu a modinhas (olha o self-consciousness aí!). Mas o fato é que a postura de “tocar o foda-se” é o melhor antídoto contra o self-consciousness excessivo.

E, novamente ressaltando, a palavra-chave aqui é EXCESSIVO. Algum grau de self-consciousness é necessário para a vida em sociedade e, se você sair “tocando o foda-se geral”, vão “te tocar o foda-se de volta”, e você poderá ter danos reais e permanentes à sua reputação (inclusive profissional).

E lembre-se, também, que adotar uma postura agressiva, na linha “vou escandalizar essa sociedade conservadora, machista e patriarcal” é apenas mais uma forma exagerada de self-consciousness. O oposto de self-consciousness não é “chocar as pessoas”, mas sim, simplesmente, “não ligar”.

Vamos ver, então, algumas formas de combater o self-consciousness exagerado:

Lembre-se que a maioria das pessoas não liga para você

Faça uma lista de todas as situações embaraçosas que você já protagonizou no passado.

Agora, experimente conversar com algumas pessoas que estavam com você quando determinada situação aconteceu.
A não ser que você tenha feito algo REALMENTE EXTRAVAGANTE, são grandes as chances de que a maioria das pessoas não tenha notado o que você fez ou, se notaram, esqueceram.

Como dizem por aí, as pessoas estão excessivamente preocupadas consigo próprias para poderem se preocupar com você.

Agradeça a preocupação das outras pessoas (com ironia)

Na remota hipótese de alguém, efetivamente, te falar algo em tom de julgamento, diga “obrigado por sua preocupação comigo”.

Se alguém te falar algo como “você ficaria muito melhor se perdesse uns quinze quilos”, olhe para a pessoa como se ela fosse um jumento falante, dê um sorriso igual ao da Monalisa de Leonardo da Vinci e diga, simplesmente: “Obrigado por sua preocupação comigo”… e não diga mais nada!

Simplesmente, não “engaje”.

Elimine os babacas de sua vida

É um fato da vida, lamentavelmente, que algumas pessoas têm necessidade de rebaixar os outros para se sentirem melhor com elas mesmas.

São aquelas pessoas que criticam sua aparência ou seu comportamento, mas que, claramente, não fazem isso com nenhum propósito construtivo. É apenas para “te colocar para baixo”.

Essas pessoas podem acabar exacerbando o nosso self-consciousness (ao ressaltarem nossos defeitos e imperfeições) e reforçando nossas inseguranças. Mas a ironia suprema é que essas pessoas são, elas próprias, as com o self-consciousness mais exagerado, pois o comportamento “tipicamente babaca” nada mais é que uma forma de proteger um ego frágil, na presunção de que “o ataque é a melhor defesa”.

Sobre esses babacas, eu gostaria de mencionar uma famosa frase em Latim “fake”, que era usada, em tom de gozação, por militares Ingleses na 2ª Guerra Mundial:

Ilegitimi Non Carborundum

A tradução para isso seria algo como “não deixe que os filhos da puta te diminuam”.

Então, elimine babacas e pessoas negativas de sua vida.

Trabalhe em seu autoconhecimento e autoaceitação

Tanto no caso do self-consciousness público quanto privado, um fator de grande importância é o seu “diálogo interno” – a forma como você fala consigo mesmo.

Nesse aspecto, é importante investir em autoconhecimento, para ter uma visão bastante clara de quais são seus pontos fortes e suas limitações.

O self-consciousness exacerbado ocorre, em grande parte, por uma percepção distorcida de nossas limitações. Um processo de autoconhecimento nos permite ter uma visão clara dessas limitações e a autoaceitação nos permite, como o nome sugere, aceitar essas limitações, caso não sejam “solucionáveis”.

Veja a imagem pública dos outros com ceticismo

A idealização da vida de outras pessoas é algo que nos leva ao questionamento de nossas próprias vidas. Somos animais sociais e se comparar com outras pessoas faz parte dessa sociabilidade.

Porém, até algum tempo atrás, não tínhamos tantas oportunidades de nos comparar com outras pessoas que tinham vidas “perfeitas”. Essas pessoas “perfeitas” eram, tipicamente, artistas e celebridades que estavam muito distantes das pessoas comuns.

Só que a popularização das mídias sociais fez com que surgissem um monte de pessoas querendo mostrar “vidas perfeitas” em público. E não são mais apenas pessoas famosas e distantes.

Hoje em dia, praticamente qualquer pessoa consegue criar uma versão idealizada de si mesma para o “público externo”, mostrando uma perfeição e uma felicidade que não correspondem à vida real.

Alguns fazem isso pois estão tentando vender algo, e querem associar esse “algo” a um estilo de vida desejado pelos outros. Outros fazem isso, simplesmente, por serem babacas (já falamos sobre eles antes) que sentem prazer em se colocarem como “superiores”.

Então, procure adotar uma postura de grande ceticismo ao ver aquilo que as pessoas disponibilizam para o “público externo” (o que inclui você).

Não coloque NINGUÉM em um pedestal.

Grande parte daquilo que você vê nas mídias sociais é falso e pode acentuar e distorcer sua percepção sobre suas próprias limitações.

Conclusão

“Tocar o foda-se” é uma coisa libertadora. E, neste artigo, vimos que, em algumas situações, é interessante, especialmente naqueles casos em que somos explicitamente julgados e recriminados por terceiros, que a gente sugira a essas pessoas que “façam amor consigo próprias” (ou, em outras palavras, que se fodam).

Porém, em boa parte das situações que envolvem um self-consciousness exagerado (e as limitações de vida que que impomos a nós mesmos por causa disso), teremos que “tocar um foda-se para nós mesmos”.

Isso implica em controlar (ou tentar controlar) nosso diálogo interno, que GRITA em nossa cabeça que o mundo inteiro está nos observando atentamente quando, na verdade, as pessoas mal notam a nossa existência.

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