11/04/2021 • , , • por Andre Massaro

A grande mentira sobre a criatividade


Toda criança é um artista. O problema é o como manter-se artista depois de crescido” (Pablo Picasso)

Eu quero começar este artigo te convidando a fazer reflexões sobre a sua infância e a sua relação com a criatividade:

  • Na sua infância, você fez alguma associação negativa com criatividade? Alguém te convenceu (ou tentou te convencer) de que:
    • Criatividade é uma coisa pouco prática
    • Criatividade é uma coisa pouco masculina (se você for homem)
    • Criatividade é coisa de gente “sonhadora”
    • Criatividade é coisa de gente louca
  • Você acha que se tornou uma pessoa adulta menos criativa do que poderia ser, porque sua criatividade foi inibida durante a sua infância (ou você não teve o apoio necessário para desenvolvê-la)?
  • Você tem medo de se expressar criativamente e sofrer julgamentos, repreensões ou ridicularização?

Bem, se você respondeu “sim” a algumas dessas perguntas, saiba que você não está só. Você é apenas mais uma pessoa que foi devidamente “enquadrada” nos padrões de conformidade do mundo.

E, o pior de tudo: Depois de ter tido sua criatividade massacrada e pisoteada na infância, talvez você tenha que ouvir, hoje em dia, de seus chefes e outros “palpiteiros de plantão”, que você não consegue avançar profissionalmente (e mesmo pessoalmente), de forma mais rápida e consistente, por NÃO SER uma pessoa “suficientemente criativa e inovadora”.

Isso é para dar um nó na cabeça de qualquer um…

Para começar: O que é criatividade?

Criatividade é a capacidade de criar ideias e conceitos que sejam ÚTEIS e que tenham algum PROPÓSITO. E essa questão de “utilidade” e “propósito” é importante para uma definição correta de criatividade.

A criatividade é um processo que foi reconhecido há relativamente pouco tempo. Até um pouco antes da Renascença, a maioria das culturas sequer tinham um conceito de criatividade.

Para os antigos (de orientação mais mística e metafísica), as ideias e conceitos não eram “criados”, e sim “revelados”. Eles já existiam (em algum plano superior de existência) e as pessoas criativas eram apenas aquelas que conseguiam se conectar com esse meio “supranatural”.

Hoje, a criatividade é reconhecida como uma habilidade cognitiva. Ela faz parte daquilo que se chama de “flexibilidade cognitiva”, que é uma das funções executivas do nosso cérebro.

Não se sabe exatamente “onde a criatividade está”, mas já se sabe que o córtex pré-frontal é a estrutura cerebral mais associada com os processos criativos.

Estão mentindo para você sobre a criatividade

Na sua infância, mentiram para você sobre a criatividade, o que te levou a (provavelmente) inibi-la na fase adulta.

Agora, como pessoa adulta, estão mentindo para você DE NOVO, dizendo que a criatividade é uma coisa importante (isso é verdade) e que as empresas e escolas querem fomentar a capacidade criativa das pessoas (essa é a parte que não é, assim, tão verdadeira…).

Como você deve suspeitar, muito do que se fala sobre criatividade e inovação, no contexto de negócios, carreira e educação, é pura “conversa para boi dormir”… É um discurso vazio, travestido de “modernidade”, mas que esconde o mesmo conformismo e a mesma opressão que você presenciou (ou deve ter presenciado) na sua infância.

Alunos criativos são um pé no saco…

E essa opinião não é minha…

Eu sou professor (de finanças e de pensamento crítico) e trabalho apenas com o público adulto (que já teve sua criatividade trucidada no passado). Então, eu raramente me deparo com alunos questionadores e criativos. A maioria das pessoas que me procura está em busca de “ferramentas” e não demonstra muito interesse em temas conceituais.

Mas o público infantil é diferente. Eles não sofrem as mesmas pressões do público adulto (de terem que aplicar o conhecimento em suas vidas profissionais) e podem se dar ao luxo de aprender “apenas por aprender” (alguns adultos fazem isso também, mas são uma minoria).

E, apesar do discurso de algumas escolas sobre “fomentar a criatividade”, a verdade é que os professores não parecem tão animados com a ideia.

Algumas pesquisas acadêmicas mostram que os alunos “favoritos” dos professores são aqueles que apresentam traços de personalidade associados ao conformismo, à passividade e ao baixo questionamento (traços negativamente correlacionados com pessoas criativas).

O mais famoso desses estudos acadêmicos é dos professores de psicologia Erik L. Westby e Valina L. Dawson que, em 1995, publicaram o artigo “Creativity: Asset or Burden in the Classroom?”.

Ou seja, professores vivem uma relação “de amor e ódio” com a criatividade. Por um lado, gostam da criatividade e reconhecem (legitimamente, na maioria dos casos) que é uma coisa importante.

Porém, na vida prática, acabam tendo dificuldade com o não-conformismo e a postura questionadora dos alunos criativos.

Pois é, esses alunos criativos são uns pentelhos…

Empresas e organizações mentem sobre a criatividade

A maioria das empresas e organizações modernas declara, publicamente, que fomentam (ou querem fomentar) a criatividade e a inovação. Mas experimente perguntar para algum funcionário que resolveu, de fato, “pensar fora da caixa” (se ainda não tiver sido demitido…).

O que vimos que acontece com os professores, anteriormente, é o que acontece com (quase) todo mundo: O mundo é contraditório em relação à criatividade.

Por um lado, as pessoas dizem que a criatividade é uma coisa boa e positiva (é muito raro alguém dizer, explicitamente, que a criatividade NÃO É uma coisa boa).

Mas, na prática, a maioria das pessoas (e nunca é demais lembrar que empresas e organização são, essencialmente, “pessoas”) demonstram intolerância com gente criativa.

De uma forma geral, as pessoas:

  • São resistentes a novas ideias
  • São apegadas às suas crenças
  • São apegadas a tradições
  • Abominam incertezas e ambiguidade
  • São avessas ao risco
  • Estão presas às suas zonas de conforto

Elas podem fazer o discurso de apoiarem a criatividade e a inovação, contanto que ninguém interfira em seu status quo

Assim como nas escolas, as pessoas verdadeiramente criativas são vistas como não-conformistas, questionadoras, “encrenqueiras” e difíceis de serem controladas. E, em uma empresa ou organização, no fim das contas, tudo se resume a “controle”.

“Eu quero que você seja criativo e inovador, contanto que eu possa te controlar”.

Criatividade e o mito da tolerância ao erro

No mundo das startups e empresas de tecnologia, virou quase um mantra a ideia de que os erros não só são tolerados, mas são INCENTIVADOS.

No Facebook, o lema é “mova-se rápido e quebre coisas” (move fast and break things).

Para algumas empresas, essa postura de incentivar o erro (“se você não está errando é porque não está tentando”) é legítima. Mas, para uma boa parte das empresas que se dizem “inovadoras”, a tolerância ao erro é apenas mais um modismo e um discurso vazio.

Na maior parte das empresas e organizações, ideias novas e radicais são recebidas do mesmo jeito que muitas manifestações criativas são recebidas na infância: com hostilidade, julgamentos e ridicularização – não só por parte dos líderes, mas também dos colegas.

E, para ver como isso funciona na prática, basta ver a quantidade de empresas e organizações que vive, simplesmente, de IMITAÇÃO.

A hostilidade às novas ideias e à criatividade é um dos maiores incentivadores do comportamento de imitação.

E o autor de uma ideia criativa só costuma ser levado a sério depois que (e se) sua ideia se prova um sucesso. Antes disso, um profissional criativo está sujeito a um grande risco.

Conclusão

Não se discute que a criatividade é uma coisa positiva. A criatividade faz parte da função executiva do cérebro, que é associada à inteligência geral. Então, há forte correlação positiva entre a criatividade e a inteligência.

Pessoas criativas são, tipicamente, pessoas inteligentes.

Porém, é preciso entender que, caso você seja uma pessoa criativa, o mundo não estará exatamente “a seu favor” (pelo contrário).

Apesar do discurso “enlatado” (tanto de escolas quanto de organizações) de que a criatividade e a inovação devem ser “fomentadas”, o fato é que pessoas criativas são muito mais punidas do que recompensadas. Isso é uma verdade na infância e, também, na fase adulta.

Por isso, não basta ser uma pessoa criativa: É preciso ser uma pessoa “meta-criativa”. Ou seja: “criativa em usar a criatividade” – criativa em encontrar meios de usar a própria criatividade de forma a evitar reações de hostilidade e que não te coloquem em situação de risco (em seu ambiente escolar ou profissional).

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