10/03/2021 • , • por Andre Massaro

O que é a “falácia narrativa”


Capa do livro "A Lógica do Cisne Negro" de Nassim Taleb

A falácia da narrativa (que foi traduzida da fonte original simplesmente como “falácia narrativa”) é uma falácia identificada e batizada por Nassim N. Taleb no livro “A Lógica do Cisne Negro”.

No original, em Inglês, é “narrative fallacy”, que foi traduzida, para o Português, como “falácia narrativa”.

E, apenas para registro, me soa um pouco desagradável a ausência da preposição “da” (ficaria, assim, “falácia da narrativa”), mas vou me referir como “falácia narrativa” para ser fiel à tradução do livro (apesar de eu não gostar)

Queremos que as coisas “façam sentido”


É difícil falar da falácia narrativa sem falar do autor.

O Nassim Taleb é um ex-trader do mercado financeiro que se tornou uma espécie de “filósofo da sorte”.

Capa do livro "Iludidos pelo acaso"

A principal tese dele (que é explorada no livro anterior “Iludidos Pelo Acaso”) é a maior parte dos grandes eventos da vida e do mundo são totalmente aleatórios, mas “parecem fazer sentido”, quando analisados em retrospectiva.

Isso ocorre, entre outras coisas, porque a mente humana não “lida bem” com o caos e a aleatoriedade.

Por isso criamos a religião e o misticismo, para termos a sensação de que há uma “razão por trás das coisas”.

PRECISAMOS, para nossa tranquilidade e nosso conforto psicológico, que as coisas façam sentido. E a falácia narrativa explica essa tendência de formarmos uma narrativa (daí o nome) para explicar um evento passado, de tal forma que esse evento, olhado em retrospectiva, era algo “óbvio”, que só não viu antes quem não quis.

Então, por essa ótica, era óbvio e evidente que determinada guerra iria acontecer, que uma grande crise iria se abater no mercado financeiro e que o candidato “X” iria ganhar as eleições.

Só não viu quem não quis… O problema é que só se chega a essa conclusão depois que o evento aconteceu.

Então, aqui no Brasil, a gente poderia traduzir a falácia narrativa como a “falácia do engenheiro de obra pronta”.

Casos práticos da falácia narrativa

Antes de prosseguirmos, eu quero sugerir dois vídeos que ajudam a dar uma visão mais clara da falácia narrativa em ação.

O primeiro deles é o famoso discurso de Steve Jobs aos formandos da Universidade de Stanford, em 2005, quando ele fala em “ligar os pontos”.

“Ligar os pontos” (depois que uma coisa aconteceu) é uma das mais bem acabadas descrições da falácia narrativa. As coisas não faziam sentido no momento presente, mas, depois que aconteceram, você “liga os pontos” e se forma uma história (uma narrativa) que explica tudo

O outro vídeo é um pequeno trecho de um episódio de South Park, que mostra o personagem “Capitão Retrospectiva” – um super herói que sempre aparece nas grandes tragédias para dizer “o que deveria ter sido feito”.

Nós vemos demonstrações diárias da falácia narrativa nos jornais e programas de TV noturnos, em que analistas políticos e econômicos comentam os fatos do dia e nos convencem sobre como era “óbvio” que aquilo que aconteceu iria acontecer de todo jeito…

O problema é que eles só sabem disso DEPOIS que aconteceu.

Falácia narrativa e cisnes negros

No livro “A Lógica do Cisne Negro”, Nassim Taleb teoriza sobre o tal “Cisne Negro”, que é uma metáfora para um evento totalmente inesperado, de alto impacto e que, depois que acontece, parecia que era óbvio que aquilo iria acontecer.

Leia aqui: O que é um “Cisne Negro”

Essa “aparência de obviedade em retrospectiva” é a tal falácia narrativa em ação.

Por exemplo: Se você ler um livro de História sobre a 2ª Guerra Mundial, verá todos os antecedentes que levaram à ascensão do nazismo e ao maior conflito global que já existiu.

Nos livros, se explica os acontecimentos do pré-guerra de uma forma que era evidente que aquilo iria acabar acontecendo. Mas, se você tivesse a oportunidade de conversar com pessoas comuns que eram vivas na época, não era tão evidente que uma guerra estava prestes a estourar.

A falácia narrativa é, então, aquilo que “explica” o Cisne Negro (e faz isso em retrospectiva, ligando os pontos…).

A falácia narrativa e a ilusão de controle

Um viés cognitivo muito estudado em psicologia e economia comportamental é a chamada “ilusão de controle”.

A ilusão de controle é a tendência que temos de achar que conseguimos antecipar e influenciar acontecimentos futuros.

Leia aqui: Ilusão de controle – O que é e como combater

E o “combustível” da ilusão de controle é a informação. Então, queremos consumir informação desenfreadamente, pois acreditamos que, com mais informação, temos mais controle sobre aquilo que vai acontecer.

Inclusive, pode-se argumentar que toda a indústria de informações financeiras, análises políticas e econômicas e outros serviços de informação existe POR CAUSA da ilusão de controle.

Essa indústria existe para satisfazer a demanda humana por “sentido” para as coisas.

Como foi comentado, a mente humana não tolera bem situações de incerteza e, por causa disso, precisamos “dar sentido” aos eventos (daí a falácia narrativa).

Então, quanto mais informação tivermos, “mais sentido” as coisas farão.

Só tem um problema…

TODA a informação que temos é do passado ou, na melhor das hipóteses, do presente (em tempo real). NÃO TEMOS (e provavelmente jamais teremos) informações DO FUTURO.

Então, assinar todos os relatórios de análises financeiras e serviços de informação vai te dar uma ILUSÃO DE CONTROLE, por conta do excesso de informações que você tem disponível. Mas TODA essa informação é do passado.

Você ACHA que tem algum controle… Mas o mundo segue sendo tão aleatório quanto sempre foi (e não dá a mínima para toda a sua informação).

A ilusão de controle e a falácia narrativa são fortemente associadas, pois as duas são tentativas de “explicar o futuro explicando o passado”.

A diferença entre as duas é que a ilusão de controle é um viés cognitivo (é uma “programação” de nosso cérebro – é algo inevitável) enquanto a falácia narrativa é, como o nome sugere, uma falácia (uma falha lógica ou falha de raciocínio).

Mas as duas coisas, combinadas, formam uma poderosa arma de distorção da realidade, apontada para nós mesmos…

Conclusão

A falácia narrativa é uma falha lógica (por isso é uma falácia) e, como toda falácia, pode ser evitada através do exercício de “pensar direito” (e as técnicas e ferramentas do pensamento crítico ajudam muito nessa parte).

O combate à falácia narrativa exige, também, uma forte dose de humildade pessoal, no sentido de aceitar que a vida é complexa e que grande parte das coisas são aleatórias (e, simplesmente, não fazem sentido algum).

A nossa necessidade de buscar explicações para os fatos da vida nos leva, muitas vezes, a aceitar explicações claramente erradas. Pois, de forma geral, preferirmos ter uma explicação errada a, simplesmente, não ter explicação nenhuma (e é daí que surge o misticismo, com suas explicações fáceis para questões complexas).

Só que esse “caminho fácil”, de buscar conforto psicológico por meio de explicações e “narrativas” potencializa a ilusão de controle e pode nos levar (como frequentemente leva) a muitas decisões erradas.

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