22/04/2020 • • por Andre Massaro

Como correr riscos de forma inteligente


Vamos começar com uma sequência simples de raciocínio: Riscos são incertezas. vida é feita de escolhas. Escolhas envolvem incertezas.

“Estar vivo” significa estar, constantemente, assumindo riscos. Portanto, é uma habilidade de vida essencial saber como correr riscos de forma inteligente.

Alguns conceitos gerais sobre riscos

Os riscos (e as técnicas de gerenciamento desses riscos) são um tema recorrente neste blog.

A expressão “gerenciamento de riscos” é muito importante, entre outras coisas, para ressaltar que muitos riscos não são “evitáveis”, mas, apenas, “gerenciáveis”.

Não podemos excluir os riscos de nossas vidas pois riscos são, simplesmente, incertezas.

Não dá para excluir aquilo que a gente sequer sabe que existe.

Por uma questão de uso corrente da linguagem, acabamos convencionando que “riscos’ são as incertezas com consequências negativas. Mas, em uma definição mais formal, um risco seria qualquer situação que envolve incerteza, independentemente de ter um impacto positivo ou negativo.

Ganhar na loteria, por exemplo, é, tecnicamente, um risco…

Aversão a perdas – uma “força motriz” do ser humano

É comum se dizer que as pessoas são “avessas ao risco”. Na maior parte das vezes, não somos avessos ao risco, e sim às perdas (riscos envolvem perdas, então pode parecer que uma coisa é a derivação obvia da outra, mas não é…).

A aversão a perdas é algo que varia em grau conforme a pessoa, e é um tema que vem sendo estudado exaustivamente em Economia Comportamental, que é uma área do conhecimento relativamente nova que faz uma ponte entre a Psicologia e a Economia.

O conceito de Homo economicus (o indivíduo que toma decisões racionais com seus recursos, tentando maximizar a utilidade) caiu por terra com as descobertas da Economia Comportamental, que vem, cada vez mais, “esfregando na nossa cara” que nossas decisões são irracionais e pautadas por uma série de vieses cognitivos.

Uma parte significativa dessa irracionalidade nas nossas decisões vem, justamente, da aversão à perda.

A grande ironia é que, em algumas pessoas, a aversão à perda pode ser tão grande que às leva a correr riscos MAIORES (e não menores, como era de se esperar) para tentar evitar uma perda.

A tentativa de evitar uma pequena perda pode levar a uma perda ainda maior e, em alguns casos, irreversível.

É o chamado “Efeito Disposição”, que rendeu um Prêmio Nobel de Economia, em 2002, para o psicólogo Daniel Kahneman (aliás, a leitura do livro dele “Rápido e Devagar” é altamente recomendada para se entender melhor esses processos decisórios irracionais).

É por isso que “aversão a perdas” e “aversão a riscos” são coisas diferentes (ainda que similares).

“Não assumir riscos” é perigoso

Vivemos em um mundo dinâmico, onde a mudança, cada vez mais, vem sendo a regra (e não a exceção).

Por isso, adotar uma postura estática, passiva e monolítica pode acabar sendo a conduta mais arriscada.

Vamos voltar àquilo que foi dito no começo: A vida é feita de escolhas e escolhas envolvem incertezas.

As escolhas também envolvem algum tipo de perda (quando se escolhe algo, se abre mão de alguma outra coisa).

A perda acaba sendo um fato inevitável da vida. E não existe a opção de não escolher nada, pois a “não escolha” é, por si só, uma escolha (e vai levar a algum tipo de perda).

Por isso, para gerenciar riscos, é preciso também gerenciar nossa aversão às perdas. Precisamos reconhecer, aceitar e entender nossa aversão a perdas para podermos otimizar nossas decisões.

Gerenciando riscos de forma inteligente

Neste artigo, não estou falando (apenas) de riscos em decisões de investimentos, mas sim em um contexto mais amplo, de “escolhas” de uma forma geral.

O que vai ser apresentado aqui pode ser usado para decisões de investimentos, de negócios, profissionais, de saúde e até mesmo de relacionamentos.

Já que temos que assumir riscos… Vou apresentar aqui algumas ferramentas e conceitos que podem ser usadas para que minimizemos os impactos negativos desses riscos.

Diversificação

A diversificação é um “clássico” do mundo dos investimentos. É a aplicação prática do famoso provérbio “não coloque todos os seus ovos na mesma cesta”.

Num contexto de investimentos, diversificar é alocar o dinheiro em diversos ativos financeiros, com diferentes características de risco e correlação.

Num contexto de empreendedorismo e negócios, a diversificação pode ser em linhas de produtos, fornecedores (não ficar dependente de um único ou poucos fornecedores), atuação geográfica e canais de distribuição (online e offline, por exemplo).

Num contexto profissional, é interessante desenvolver, na medida do possível, múltiplas fontes de renda e também tratar suas habilidades e competências como se fossem uma “carteira de investimentos”, procurando desenvolver conhecimentos diversos (e não correlacionados) que diminuam seu risco de obsolescência.

Num contexto pessoal e social, frequentar diversos círculos é algo positivo, tanto no quesito de “estimulação intelectual” (não viver sempre “grudado nas mesmas pessoas” e ser mais aberto a pontos de vista diferentes) quanto no quesito do networking puro e simples, para aumentar possibilidades e oportunidades diversas.

Limitação de exposição

Existe um conceito, no mundo dos investimentos, chamado “tamanho de posição” (position sizing, em Inglês), que diz respeito ao QUANTO de dinheiro você vai colocar em determinado ativo financeiro.

O position sizing é uma espécie de “refinamento” da diversificação.

Na diversificação podemos dizer algo como “vou investir em, pelo menos, dez ações diferentes”. O position sizing diz “e nenhuma dessas ações vai representar mais que 25% do meu patrimônio”.

No position sizing, a gente limita a exposição. Afinal, de nada adianta você ter uma carteira de ações diversificada, com dez ações, onde uma única ação representa 90% dessa carteira e as outras nove respondem pelos 10% restantes…

No mundo dos negócios, o conceito de tamanho de posição pode ser usado para limitar sua dependência a um único cliente, fornecedor ou empregado.

Você não pode se dar ao luxo de ter um indivíduo que responda por mais de 50% do seu negócio, sob o risco de perder o controle do negócio.

Se diversificar é distribuir os ovos por cestas diferentes, o position sizing é estabelecer que cada cesta pode ter, no máximo, uma dúzia de ovos.

Limitação de perdas

Aqui vai mais um jargão anglófono do mundo das finanças: Stop loss.

Stop loss (literalmente “parar a perda” – clique aqui para ler um artigo específico e saber mais sobre stop loss) é uma “ordem” que se dá, no mercado financeiro, para vender um ativo financeiro COM PREJUÍZO, caso ele atinja determinado limite de perda.

Por exemplo, você comprou uma ação a 25 reais, mas quer limitar sua perda potencial a 5 reais. Caso ela caia, você venderá a 20 reais, terá uma perda de 5 reais (valor que você definiu como limite) e preservará a maior parte de seus recursos para uma nova tentativa.

Um stop loss pode ser financeiro, “de tempo” ou de alguma outra forma.

Imagine que você vai iniciar um novo negócio. Você pode determinar uma limitação de perda financeira (por exemplo: aceito “perder” até 50 mil reais antes que o negócio se torne rentável) ou de tempo (se o negócio não se tornar rentável em até “X” meses, eu caio fora…).

Num relacionamento, é possível aplicar uma regra similar. Se aquele cara está “te enrolando” e não quer assumir um relacionamento sério, estabeleça um limite de tempo (a propósito, como já dizia Benjamin Franklin, “tempo é dinheiro”).

Se em até quatro meses o cara não “se posicionar”, pé na bunda dele…

Se aquela moça que você vive convidando para jantar aceita seus convites, mas nunca acontece nada, estabeleça um limite: Três jantares e, se nada rolar, tchau…

Se aquele seu “prospect” de serviços ou profissional fica só te “cozinhando”, te convidando para “tomar um café”, fazendo consultoria gratuita e não fechando um contrato com você, pé na bunda dele! Estabeleça um limite do tipo “faço até três reuniões”.

Devemos, a todo custo, evitar perder dinheiro e tempo. Porém, alguma perda é sempre inevitável. O stop loss é o que define o que é essa “alguma perda” de forma quantificada.

Seguros e reserva de liquidez

O seguro (contrato de seguro) é uma importante ferramenta de gerenciamento de riscos, que tem uma característica peculiar: É uma ferramenta “reativa”, para ser usada depois que a m**** acontece…

O seguro não “previne” o risco – ele funciona naquela situação em que o risco deixa de ser risco e se transforma em fato.

O seguro serve, basicamente, para “reparar uma situação”.

Seu carro foi roubado? O seguro repara isso. Você morreu e sua família ficou, financeiramente, “na mão”? O seguro repara (pelo menos de forma parcial e temporária) a situação financeira.

Um dos temas mais importantes do universo das finanças pessoais é a famosa “reserva de emergência” ou “reserva de liquidez” (confira aqui um artigo bastante completo sobre reserva de emergência).

A reserva de emergência é, basicamente, um “seguro”, onde fazemos, nós mesmos, o papel de companhia seguradora.

Fazer um seguro é, na verdade, uma “arte”, pois envolve uma decisão entre proteção oferecida e custos em cenários de total incerteza. A primeira coisa a ter em mente é, exatamente, o custo. Proteção custa… e pode custar caro!

Fazer um seguro de vida, da sua casa, de seu carro… Tudo isso tem custo, um custo que pode aumentar ou diminuir conforme o grau de proteção e conforme a probabilidade daquele evento (do qual você quer se proteger) acontecer.

Uma reserva de emergência também tem um custo – neste caso, um custo de oportunidade, pois aquele dinheiro poderia estar investido em algo de maior risco (e, supostamente, de maior retorno).

No mundo dos investimentos, o seguro “padrão” é o hedge, geralmente feito com o uso de instrumentos derivativos.

Nos negócios e na vida pessoal, existem inúmeras modalidades de seguro.

Tem os seguros “formais”, que contratamos com companhias seguradoras, e aqueles seguros que fazemos “conosco mesmos” (que é o caso da reserva de emergência).

Neste contexto, até mesmo fazer um estoque de mantimentos em sua casa (ou empresa) pode ser visto como uma forma de seguro.

E, sempre lembrando: Seguro CUSTA. Não é inteligente sair por aí fazendo “seguro de tudo”.

É preciso definir qual a cobertura ideal, o tamanho ideal da sua reserva de emergência, o tamanho ideal dos estoques de mantimentos e peças de sua empresa e por aí vai…

Conclusão

Riscos são inevitáveis: Não dá para viver sem correr riscos.

No entanto, alguns riscos são gerenciáveis e podemos reduzir nossa exposição a eles (com medidas preventivas) ou ter os meios para reparar seus efeitos caso os riscos se concretizem (através de reservas e seguros).

Podemos, a rigor, correr riscos de forma inteligente e com segurança se observarmos as quatro “ferramentas de gerenciamento de riscos” que foram discutidas neste artigo:

  • Diversificação
  • Limitação de exposição
  • Limitação de perdas
  • Seguros

Todas essas ferramentas têm que ser consideradas e estar presentes em nossas decisões.

Porém, a verdadeira inteligência está em determinar o “quanto” de cada uma é razoável. Afinal, um gerenciamento de riscos exageradamente restritivo (beirando a paranoia) pode acabar “travando” a nossa vida, e nunca vai oferecer uma proteção de 100%.

Não existem certezas. A única certeza é a própria incerteza.

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