19/07/2020 • • por Andre Massaro

Como ser um consumidor consciente


Consumir não é uma coisa ruim (aliás, muito pelo contrário). Só que existem “jeitos e jeitos” de consumir. Daí a importância de saber como ser um consumidor consciente.

O mundo da educação financeira “raiz” tem, às vezes, uma certa tendência de adotar uma postura anticonsumo, achando que está sendo anticonsumista. E atenção à diferença entre as palavras “consumo”, que é um termo amplo e genérico, e “consumismo” (com o sufixo “ismo”), que é um estilo de vida e uma visão de mundo voltada para o consumo.

Consumismo”, em níveis exagerados, é um problema (pode até ser uma doença). “Consumo” não é um problema – aliás, é uma necessidade.

A “demonização” do consumo

No mundo da educação financeira, tem aquele pessoal (geralmente mais da “velha guarda”…) que gosta de fazer aquele discurso batido e embolorado de que “se você economizasse um cafezinho por dia, seria rico”.

Esse discurso é falso e enganoso. O argumento por trás desse discurso é fragilíssimo, para dizer o mínimo (em algum outro momento explico onde está a falha lógica) e ele só serve, no fim das contas, para fazer com que as pessoas se sintam culpadas (“ahhhh…. então eu não sou rico porque eu tomei um cafezinho por dia… ohhh céus, eu destruí a minha vida!”).

Existe também o pessoal que segue a linha do minimalismo mais radical, de base ideológica (que, na verdade, estão mais para anticapitalistas do que para minimalistas) que, aparentemente, sente um certo prazer em fazer outras pessoas se sentirem mal e culpadas por consumirem.

Esses, ao contrário do pessoal da educação financeira “anticafezinho”, não pregam o sacrifício do consumo e dos pequenos prazeres da vida em prol de uma suposta “riqueza futura”. Eles querem que o sacrifício seja um estado permanente.

Enfim, ignore os radicais e tenha em mente que o consumo não é uma coisa ruim e nem condenável (sim, você pode continuar tomando seu cafezinho – isso vai fazer pouca diferença se você vai enriquecer ou não). O consumo é uma necessidade da vida.

Por isso, se criou o conceito de “consumidor consciente” (ou consumidor responsável) para substituir a ideia obsoleta e errônea de que o consumo é, de forma geral, ruim e deve ser evitado.

O que é, então, um consumidor consciente?

Podemos dizer que o consumidor consciente é um “consumidor crítico”. Não crítico no sentido de “chato”, mas no sentido de ser um consumidor que aplica o “pensamento crítico”, questionando argumentos e suas próprias decisões de compra.

Como se tornar um consumidor consciente

Um consumidor consciente tem algumas características peculiares e atitudes que o diferenciam da maioria dos consumidores.

“Virar” um consumidor consciente significa cultivar (ou desenvolver) essas características e atitudes, e aplicá-las em suas decisões de consumo.

As oito características do consumidor consciente

1 – Saber diferenciar “desejos” de “necessidades”

Esta característica pode parecer óbvia, mas ela não é tão óbvia assim.

Qualquer pessoa “com dois neurônios na cabeça” é capaz de compreender a diferença entre desejos e necessidades. Porém, a linguagem persuasiva da propaganda, aliada aos nossos próprios vieses cognitivos, nos leva a enxergar coisas que são “desejos” como se fossem, na verdade, “necessidades”.

Nós temos um mecanismo interno de distorção da realidade (as racionalizações e justificações) que nos fazem acreditar que desejos são, na verdade, necessidades e que nossa vida (e nossa felicidade) dependem de satisfazer aquele desejo.

Apenas para deixar bem claro: Coisas que são “desejos” não são ruins e não devem ser excluídas de nossas vidas. Apenas é preciso ter consciência de que aquilo é, na verdade, um desejo (daí o nome “consumidor consciente”).

Desejos são ruins quando você se torna escravo deles e, no caso dos desejos de consumo, eles podem te colocar em uma situação financeiramente complicada, se ficarem fora de controle.

2- Saber identificar as armadilhas da propaganda

Esta característica está bem ligada à característica anterior (diferenciação de desejos e necessidades) e é um “bônus” que a gente ganha quando desenvolve a capacidade de pensar criticamente.

A linguagem publicitária é persuasiva, insidiosa e massivamente presente. Estamos o tempo todo sendo bombardeados por mensagens que tentam nos convencer de que somos seres humanos “incompletos” – de que só seremos felizes e realizados se usarmos as roupas da marca “X”, dirigirmos o carro “Y” ou frequentarmos o lugar “Z”.

Essas mesmas mensagens estão, também, o tempo todo tentando nos convencer de que nossos desejos são necessidades. De que PRECISAMOS daquilo que está sendo anunciado.

Esse discurso é, quase sempre, apoiado em argumentos frágeis e que tentam nos “pegar pelo emocional”. E o consumidor consciente é aquele que consegue preservar a racionalidade e o discernimento, mesmo quando está sendo soterrado por mensagens publicitárias.

Leia aqui: Proteja-se de manipulações com a Teoria da Inoculação

3 – Sempre questionar as próprias decisões de consumo

O consumidor consciente “consome” como qualquer um e, ocasionalmente, cede aos próprios desejos. Porém, ele nunca faz isso de forma cega e automática.

O consumidor consciente tem o hábito de sempre se perguntar se ele realmente precisa daquilo que vai ser adquirido e se aquilo vai trazer o benefício esperado. Afinal, mesmo daquelas coisas que são meros desejos, nós esperamos ter algum tipo de benefício. Ninguém compra “por comprar”.

Ele também avalia a própria situação financeira, para saber se aquele consumo não pode colocá-lo numa situação de fragilidade. Afinal, nada pior do que se “enrolar” financeiramente por conta de coisas que não eram, sequer, necessárias.

4 – Fazer pesquisa de preços

Antigamente, num passado distante, fazer pesquisa de preços significava ir, pessoalmente, às lojas ou, na melhor das hipóteses, tentar descobrir o telefone e perguntar (nem todos respondias).

Hoje, com as facilidades da internet e as ferramentas de comparação de preços, simplesmente não há nenhum pretexto razoável para NÃO fazer pesquisa de preços.

O hábito de fazer pesquisas de preços, tem como benefício, além da economia de dinheiro, o fato de “desacelerar” o processo de compra. Somos obrigados a parar e analisar o que estamos fazendo e, dessa forma, diminuímos a probabilidade de acabarmos comprando algo por impulso.

5 – Comprar na quantidade certa e pelo motivo certo

O hábito de comprar coisas em quantidade maior que a necessária é uma variação do hábito de comprar algo só porque “está barato”.

Quando você compra algo que não precisa, ou que não vai usar, você joga dinheiro no lixo – simples assim. Se você compra algo que não precisa “pagando barato”, isso significa, apenas, que você jogou um pouco menos de dinheiro no lixo.

“Estar barato” não é, por si só, um motivo justificável para fazer uma compra.

6 – Saber identificar oportunidades legítimas

Um consumidor consciente sabe diferenciar uma promoção legítima de uma armadilha para ludibriar o consumidor, levando-o a acreditar que está “imperdivelmente barato”.

Um caso clássico é a famosa “maquiagem de preços”, onde comerciantes aumentam os preços acima dos níveis normais, apenas para voltarem ao preço original, porém, alegando que se trata de uma “promoção”.

E existem outras modalidades de ofertas e promoções falsas, que envolvem preços distorcidos, vendas casadas e coisas do gênero.

Fazem parte do “arsenal” do consumidor consciente as habilidades para identificar essas armadilhas.

7 – Uso racional do crédito

O crédito não é uma coisa inerentemente ruim ou negativa. Às vezes, ele é necessário.
O crédito, seja na forma de empréstimos ou financiamentos, serve para anteciparmos aquisições pelas quais, por alguma razão, não podemos esperar.

Por exemplo, se estourar o encanamento da sua casa, e você não tiver dinheiro para o reparo, você vai ter que se endividar e ponto final. É uma coisa necessária e emergencial – neste caso, o uso do crédito é justificável.

Bem… Idealmente, devemos ter uma reserva de emergência para esse tipo de situação (e um consumidor consciente típico costuma ter essa reserva). Mas, na ausência (ou insuficiência) da reserva, não há outro caminho.

O que não é justificável é o uso de crédito para financiar coisas que são “desejos”, e não necessidades. Isso é algo que pode colocar a pessoa em uma situação muito difícil.

8 – Preocupação em consumir de forma sustentável

Este é aquele item em que é preciso ressaltar que “é o último, mas não o menos importante”. Aliás, alguns podem até se sentir um pouco ofendidos por eu não ter colocado este item na frente (eu tenho minhas razões).

Inclusive, muita gente associa “consumo consciente” com “consumo sustentável”. São coisas similares e associadas, mas não iguais.

O consumo sustentável é uma variação do consumo consciente, no sentido de que consumimos “tendo consciência” do impacto de nosso consumo fora de nossa esfera individual.

Nosso consumo tem impacto nas três esferas da sustentabilidade: A esfera ambiental, econômica e social.

Na esfera ambiental, o consumidor consciente se preocupa com o impacto no meio ambiente, privilegiando a compra de empresas ambientalmente responsáveis e, também, se preocupando com o impacto gerado por ele próprio, com o uso adequado dos produtos e os resíduos gerados.

Na esfera econômica, o consumidor consciente leva em conta que algumas pessoas têm “mais necessidade de vender”, como aqueles em regiões mais pobres. Ou, mesmo, pode querer privilegiar a própria comunidade, adquirindo, sempre que possível, de produtores locais.

Na esfera social, a preocupação é com empresas que adotam práticas socialmente reprováveis (ou mesmo ilegais), como trabalho infantil, discriminação de funcionários e outras atitudes do gênero. O consumidor consciente usa suas decisões de compra como uma ferramenta para “punir” essas empresas.

Conclusão

A postura radical “anticonsumo”, adotada por alguns educadores financeiros e ativistas, não é uma coisa boa.

O consumo tem seu lado ruim (especialmente quando vira consumismo), mas, de forma geral, ele é uma coisa positiva para a economia e para a sociedade.

Se, simplesmente, pararmos de consumir (ou reduzirmos radicalmente nosso consumo), desencadearemos uma sequência de eventos negativos que, em algum momento, vai fazer com que o mundo “ande para trás”, prejudicando a todos.

O que precisamos não é “parar de consumir”, e sim “consumir melhor”, de forma a maximizar nosso bem estar, nossos recursos (especialmente os financeiros) e não causar danos à natureza e à sociedade.

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